Aceitação da vida humana não pode ser negada

Entrevista à Voz Portucalense de Jürgen Moltmann, teólogo protestante, alemão, um dos mestres da Dogmática contemporânea e professor na Universidade de Tübingen VP – Um dos temas que apresentou exprimia-se por esta questão: “O que é a vida humana?”. Do ponto de vista da teologia e da biologia é possível definir este conceito tão imediato como misterioso? Jürgen Moltmann (JM) – A vida humana é, por si mesma, reprodução humana. A humanidade e personalidade da vida humana depende das relações entre os seres vivos e a comunidade envolvente (a vizinhança, …) e a aceitação da vida humana como seres vivos, que não pode ser negada. Caso contrário, a vida humana torna-se doente e morre. Isto não é só Poesia e Psicologia, isto é provado pela moderna Neurobiologia. O sistema da nossa motivação depende das tecnologias e do julgamento que é feito de cada ser. Se as pessoas nos aceitam e nos apreciam, nós ficamos motivados; se nos recusam e declinam, ficaremos desmotivados. É muito simples, todos nós o sabemos! E a moderna Neurobiologia confirma o que a antropologia e outras ciências defendem a todo o momento. VP – O que é necessário para criar essa importante e útil para a nossa vida? JM – Que nós aceitemos os outros e não os neguemos. VP – E é assim tão simples? JM – Dizer é fácil, mas fazer nem sempre o é. Porém, as pessoas portadoras de deficiências são excluídas da nossa Sociedade. Não são aceites, muitas vezes, no mercado de trabalho. Isto é desumano e faz mal a estas pessoas, podendo ficar saturadas destas situações. VP – O problema da relação entre os conhecimentos científicos e a sua envolvência com os conceitos e o procedimento ético constitui uma das preocupações dos seus estudos. Como vê a sábia utilização destas duas dimensões (ciência e ética)? JM – A Ciência e a Ética não estão muito longe uma da outra. O conhecimento científico é um conhecimento especializado. É isolado e requer uma pesquisa, isto é que é conhecimento especializado. Mas isto pertence ao corpo e deve ser integrado no próprio corpo. O corpo pertence à pessoa humana. E a pessoa humana pertence à Sociedade humana. E a Sociedade humana tem muitos sistemas e acredita nesses sistemas. A vida é sagrada e tem sentido ser vivida. Portanto, temos de preservar os resultados, que são visíveis na larga integração das ciências especializadas. E não são somente éticas, mas ciências da integração. VP – “O que é a teologia hoje” é a questão que levanta num dos seus livros, que já tem quase 15 anos. As respostas a essa questão de fundo alteraram-se ou adquiriram novos contornos nos últimos anos da investigação teológica? JM – Quando comecei, nos anos 50, tinha teologia em movimentos: havia teologia secular, teologia organizacional, teologia liberal, teologia feminista, … Hoje não temos estes movimentos. A história da teologia feminista e a teologia liberal não estão tão fortes como há uns anos atrás. Estão agora concentrados na teologia da vida, o que é a vida e como essa vida era vivida, como a raça humana pode sobreviver e o que é melhor para ela neste mundo. Há inúmeras questões à volta do conceito da vida. No livro de João Paulo II, “Teologia da Vida”, há uma especial relação da teologia da vida, entre a Encarnação do Natal, da Sexta-feira ao Domingo da Ressurreição, o Espírito da Vida de Pentecostes… VP – Sobre esta temática, acha que há um contínuo ensinamento Bento XVI, vindo de João Paulo II? JM – A Igreja Católica autorealiza as promessas do II Concílio do Vaticano. Através da Populorum Progressio, e outros documentos, sinto que há, às vezes, uma oposição forte ao próprio Concílio e não o cumprimento dessas promessas. As outras Igrejas, como a minha – Protestante, procuram que a Igreja Católica realize a doutrina do II Concílio do Vaticano. VP – Será que a investigação teológica mais aprofundada e mais avançada tem conseguido acompanhar de forma cabal os novos dados do conhecimento científico? JM – Sim, não há problema. A teologia é o desenvolvimento e a integração científica. Nós cooperamos com as ciências especializadas, da biotecnologia e das ciências biomédicas, porque dependem da integração do paciente e do médico. O doente, depois de operado, deve ser integrado e viver no ambiente do seu lar e da sua experiência, como doente que tem vida. Todas as ciências especializadas devem ser inseridas num largo contexto. Neste sentido, temos vários grupos de investigação nas Universidades, como a Química, a Biologia, a Medicina, o Direito. Estudam juntos a ciência da vida. VP – À luz da ciência e da teologia, como interpretar a outra dimensão da sua investigação: a escatologia cristã? Que relação entre a vida presente e as realidades escatológicas? JM – A nossa experiência da vida é baseada pelas nossas expectativas. Se não se espera nada, não se pode experimentar nada; portanto, quanto mais se espera mais experiência se adquire, como desapontamentos, mas também antecipação do que se espera. Por exemplo, se um homem não esperar o amor duma mulher bonita, nunca mais a encontra. Se esperar algo, encontrá-lo-á! VP – A pessoa de hoje, dominador de tecnologias cada vez mais sofisticadas, encontrou ou pode encontrar mais felicidade ou melhor realização pessoal? JM – Se aprendermos a ter poder sobre o nosso poder, a controlarmos o controlo pela natureza e usarmos o nosso poder de forma sensata e responsável, encontraremos a felicidade nas outras coisas. Mas não podemos iniciar o desenvolvimento não conhecendo como sair dele. É como, por exemplo, a descolagem dum avião sem saber se, depois, poderá aterrar. É como a bomba atómica que, infelizmente, não se sabe o seu fim, sendo bastante perigoso, porque ninguém sabe inverter essas consequências. VP – Mas considera a felicidade como um meio permanente da vida ou como um fim último, de prémio, para onde caminhamos? JM – A felicidade é uma parte da liberdade. Se estivermos acorrentados devemos procurar libertar-nos, caso contrário não encontraremos a felicidade. Entrevista de André Rubim Rangel

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