Eduardo Duque
Nas sociedades contemporâneas, marcadas por uma crescente complexidade, as políticas estão voltadas para o presente, têm um olhar curto, atendem, na maior parte das vezes, ao urgente e não prioritário.
E sabemos bem que o prioritário tem um horizonte bem mais dilatado do que a miopia do urgente, em que tudo tem de ser resolvido no imediato, numa aceleração tamanha que tende a anular qualquer dimensão ecológica. Tal facto faz peregrinar, entre nós, sinais de grande paradoxo: por um lado, exprime-se a satisfação com a vida, procurando viver com grande conforto e numa dimensão estética, parecendo que nada nos falta, por outro, deparamo-nos com notícias que antecipam novas crises e a inexorável deterioração que elas acarretam, facto que suscita novas dúvidas sobre a matéria com que estamos a construir o tempo presente.
Na sociedade do conhecimento o futuro tornou-se opaco
Contrariamente à sociedade do conhecimento, nas sociedades industriais o presente era mais linear; as mudanças seguiam rumos expectáveis, o que permitia um futuro mais igual ao presente. Na sociedade do conhecimento, o saber está em saber gerir o desconhecido. A questão aqui não está em aceder à informação, mas sim em saber filtrá-la, selecioná-la para avançar.
Dado que o futuro se tornou menos previsível e mais opaco, tem-se imposto como dono e senhor absoluto da história, o que nos leva a dizer que só existe o presente e ele tudo coloniza.
A história ficou como que baralhada e as estruturas e instituições entraram em crise, abriram muitas ruturas, causaram sofrimentos, mas, na ordem dos valores, pouco se tem assimilado porque não se dispõe de tempo suficiente para aprender e interiorizar que o tempo do futuro tem que ganhar peso político no tempo presente. Neste contexto, o tempo presente tem que ser mais amigo do futuro. Tem que construir de forma mais criativa e integrada, tendo sempre em atenção que, depois de nós, virão outros que têm o mesmo direito de habitar as sociedades e de respirar sem qualquer ligação a um ventilador.
Da luta pela palavra à luta pela ação fundada na verdade
Em A Origem da Tragédia, de Nietzsche, o fim da idade trágica do homem e o princípio da idade da razão dá-se com Sócrates, já que ele acreditou dever endireitar o mundo: “sozinho apresentou-se então com ar irreverente e superior, como o precursor de uma civilização, de uma arte e de uma moral inteiramente diferentes, num mundo em que a nossa maior felicidade deveria estar em conservarmos respeitosamente o pouco que ainda nos merecia veneração”. O poder e o fascínio que Sócrates exercia sobre os helenos explica-se pela descoberta que este fez de uma nova forma de luta, a luta através da palestra, que fascinava e excitava o instinto vital dos helenos.
Creio que, nos tempos de hoje, a luta já não se faz pela palavra ou pela astúcia argumentativa, como no tempo de Sócrates, bem pelo contrário, as palavras estão gastas e sem valor, porque, em muitos dos casos, não coincidem com o testemunho e com a vida da pessoa. Hoje, impõe-se uma luta silenciosa, que tem que ser travada por todo aquele que acredita que é possível construir um mundo melhor, uma luta fundada na verdade do ser humano, edificada na justiça, cimentada no amor, no perdão, no reconhecimento do outro, na cooperação solidária das pessoas, independentemente da sua opção política ou ideológica. Neste contexto, a conversão ecológica que aqui se propõe é força afirmativa e criadora e a consciência de uma dimensão crítica e dissuasiva.
Reconfigurar a nossa forma de pensar e de viver
Esta dimensão ecológica, que não pode ser desvinculada nem ser independente da ordem moral, deve reconfigurar a nossa forma de pensar e de viver e, naturalmente, de construir, de comprar, de negociar, de edificar e de nos relacionarmos uns com os outros.
É necessário, por isso, conciliar as metáforas do conhecimento lógico-científico, que provaram ser, em muitos casos, uma casca vazia, com a dimensão artística e sensível da vida, que também ela, por si só, pode tornar a vida difícil e agreste. Impõe-se, portanto, uma nova conciliação entre a ciência e a arte, a técnica e o sensível, o lógico e o poético. Duas dimensões opostas, que fazem existir duas perspetivas diferentes do mesmo mundo, mas, se conciliadas, são capazes de regenerar a democracia, a vocação e o compromisso da ação política.
Um pharmakon para o equilíbrio entre crescimento económico, coesão social e proteção do meio ambiente
Para tanto, é necessário fazer estoirar um “golpe de dom”, “um golpe de dom silencioso”, que se estenda à própria política, à economia, à cultura, à dimensão social, ao respeito pela natureza e a todas as texturas da vida. Este tratamento terá um efeito de pharmakon, será o veneno, na forma de remédio, que procurará curar as feridas que todos os dias se abrem nas nossas sociedades. Este golpe, sob a designação de desenvolvimento integrado, tem força para fazer estoirar uma verdadeira conversão ecológica, quando propõe um equilíbrio entre crescimento económico, coesão social e proteção do meio ambiente. Falta, porém, ousadia às estruturas, às instituições e a cada um de nós capacidade para desconstruir preconceitos, barreiras e fronteiras e deixar, com a nossa implicação, o pharmakon atuar.
A desconstrução, neste caso, é o primeiro princípio da conversão ecológica, que constitui um rombo no casco do nosso conforto e que deve tender para o segundo princípio, o qual clama por pessoas que, tendo percebido alguma coisa do que se passa e do que fazer, desempenhem um papel mais ativo na sociedade.
Foto da capa: Greta Thunberg (16 anos), acompanhada por outros ativistas climáticos, fala durante o evento do Comitê Económico e Social Europeu (CESE) Civil Society for rEUnaissance, em Bruxelas, Bélgica, 21 de fevereiro de 2019. EPA / STEPHANIE LECOCQ.