A música que apareceu com Fátima

Em 1917, quando se deram as aparições de Fátima, “não existia um reportório mariano construído, não havia cânticos marianos originais” – disse à Agência ECCLESIA António José Ferreira, investigador e professor de música. Foram adaptados cânticos marianos “existentes noutros santuários (caso do Santuário de Lourdes) – acrescenta. O pequeno «Manual do Peregrino de Fátima» foi editado em 1926 e esgotou-se rapidamente. As edições posteriores – incorporavam novos cânticos – valorizavam mais a devoção do que a liturgia. Apesar desta adaptação, não se pode afirmar que “assistimos a uma passagem da cristologia para a Mariologia”. Com o passar dos anos, alguns compositores portugueses formaram-se, em Roma, e “criou-se um reportório específico”. Foram compostos muitos cânticos no âmbito da Cristologia. Fátima estava num lugar central e a primeira pessoa que se apercebeu desta centralidade foi Júlia d´ Almendra com “a realização das Semanas Gregorianas”. “Fátima tornou-se o centro do movimento gregoriano em Portugal” – realçou António José Ferreira. Posteriormente, os Encontros Nacionais da Pastoral Litúrgica (formaram mais de 30 mil pessoas) contribuíram também para este desenvolvimento. Actualmente, Fátima tem uma série de cânticos compostos para o efeito e que são conhecidos por todos os portugueses: «Avé de Fátima» e «Bendizemos o teu nome». “Há uma série de cânticos que contribuem para uma certa referência do lugar de Fátima na música litúrgica e devocional”. As aparições ajudaram também na criação de “cânticos não marianos”. E exemplifica: “alguns cânticos para a liturgia das horas e eucarísticos”. Na sequência do Código de Música Sacra, cada bispo nomeou a sua comissão diocesana de música sacra e foi dando orientações, publicadas em periódicos diocesanos e, a partir de 1937, na revista «Lumen», órgão oficial das dioceses portuguesas. Pelo seu significado, destacam-se entre os pronunciamentos de bispos, os cânones musicais do Concílio Plenário Português (1926). “O episcopado incentiva os clérigos a aprenderem música, impõe restrições às filarmónicas nas festas religiosas, aplaude publicações litúrgicas que visem a participação, fomenta o restauro do canto de vésperas nos domingos e dias de preceito, apoia os coros e órgãos de tubos, lembra a proibição de coros mistos, rejeita tudo o que seja sensual” – admite este investigador Apesar de uma atenção cada vez maior nesta área litúrgica, António Ferreira esclarece que “não se pode falar de uma música antes e uma música pós as aparições de Fátima”. E avança: “Em termos de música erudita relacionada com Fátima, a produção, em Portugal, é praticamente inexistente”. Ao fazer uma retrospectiva da música sacra em Portugal, o investigador constata também que o II Concílio do Vaticano “ajudou imenso na produção de cânticos”, tal como as visitas da Imagem Peregrina às várias dioceses. “O grande enriquecimento foi dado pelo concílio. Este contribui para um tipo de cântico em português. A música do pós concílio e Fátima estão muito interligadas pela centralidade que Fátima ganhou” – afirmou António José Ferreira. Tons devocionais As visitas da Imagem às dioceses, – “até porque a rádio e a TV não tinham a importância de hoje” – ajudaram também na divulgação dos cânticos devocionais. A realização de encontros de toda a ordem naquele santuário foi também um “óptimo difusor dos cânticos devocionais”. Ao olhar para a produção de Música Sacra no nosso país, António Ferreira confidenciou que, nos últimos tempos, “assistimos a um grande salto”. Nas décadas anteriores “tínhamos traduções sem qualidade do espanhol, francês e italiano mas foi-se criando um reportório português”. As publicações tiveram também têm um papel fundamental “na divulgação da nossa música”. E aconselha: “A igreja devia promover mais a criação própria e encomendar obras a compositores nacionais”. No fundo, devia “valorizar mais esta temática”. Com a construção da Igreja da Santíssima Trindade, Fátima deve assumir, cada vez mais, “o seu papel simbólico, catequético e pedagógico no órgão de tubos”. Com a nova basílica é fundamental promover “mais concertos e encontros no intuito de aproximar a música às pessoas”. Será que a construção de novos templos tem em conta a acústica para estes concertos? “Por aquilo que conheço, as novas igrejas não têm em conta a colocação de um órgão de tubos. Há igrejas de grande qualidade arquitectónica que não têm em conta a importância do órgão de tubos na liturgia. Há alguma falta de sensibilidade pelos padres e pelos arquitectos para estas questões” – finaliza.

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