A Igreja perante os desafios da Saúde Mental

Apraz-me estar aqui convosco, pela oportunidade que tenho de me dirigir a cada um de vós, que saúdo, expressando a minha estima e o meu contentamento pela participação tão numerosa de pessoas, neste evento de grande importância, na área da Saúde Mental.

Dentro de dias, mais concretamente no dia 10 de Outubro, celebra-se o Dia Mundial da Saúde Mental. Neste contexto, surgem as 4as Jornadas de Enfermagem, promovidas pela Casa de Saúde S. João de Deus.

É de louvar que Organismos Internacionais, Nacionais e outras Instituições, públicas e privadas, promovam e dediquem tempo, estudo e reflexão a temáticas, que preocupam e afectam as sociedades e os cidadãos, procurando possíveis respostas coordenadas para os problemas gerais, já existentes na realidade ou que possam surgir, e para outros mais específicos, como é a “Saúde Mental”.

O Programa das Jornadas consta de um bom conjunto de temas desta área da Saúde Mental, que os especialistas irão desenvolver e propor à reflexão dos participantes, nos dias a isso destinados. Todos eles importantes, neste diálogo interdisciplinar de saberes complementares.

 

A exclusão social

Do Programa despertou a minha especial atenção um aspecto, que considero deveras pertinente, e que é um dos temas a abordar. Refiro-me, concretamente, à “Exclusão e Vulnerabilidade Social,” por ser um processo de rejeição, que facilita o desencadeamento de perturbações mentais, e ser caminho que leva a muitas pobrezas, causadoras de sofrimento, desagregação pessoal a vários níveis, desagregação e disfuncionalidade familiar e social, com custos de vária ordem.

A exclusão gera pobreza humana, pobreza económica, pobreza individual, pobreza social e cívica, no que se refere a responsabilidades, a deveres  e a direitos de cidadania. Em muitos aspectos, com  riscos mais ou menos imprevisíveis e com reflexos na convivência cívica, pondo até em causa a salvaguarda dos Direitos Humanos e a  Dignidade Humana de cada pessoa, única e irrepetível. A exclusão, seja ela de que género for, leva  à pobreza;  esta, por sua vez, leva à exclusão e ambas reduzem  a qualidade de saúde mental e criam terreno para o surgimento de morbidades e problemáticas sociais.

A Igreja, com o seu magistério, não é alheia e muito menos indiferente ao acontecer social e a outras questões de grande importância, para o desenvolvimento integral do homem e da sociedade; como também não se alheia das estruturas de suporte, garantia desse desenvolvimento intrínseco e extrínseco, que se reflecte na realização pessoal de cada cidadão e no bem-estar individual e social, em sentido lato.

A exclusão social, e outras, todas elas estigmatizantes, merecem, pois, a atenção da Igreja, procurando, através das suas instituições, as respostas possíveis, umas mais como processo de autonomização individual, outras mais como processo de suporte, sempre de modo a favorecer e assegurar uma vida com dignidade.

 

A figura de S. João de Deus

No decurso dos tempos, houve sempre quem tomasse a dianteira e o protagonismo da inconformidade da sua época, relativamente à pobreza e à exclusão social, abrindo horizontes, apresentando alternativas e mobilizando vontades, procurando, deste modo, ser anúncio e resposta, provocante ou denunciante, mas não ficando a apontar o dedo numa atitude farisaica, antes sendo parte colaborante, com outras estruturas existentes, públicas e privadas.

Como ilustração do que acabo de dizer, permitam-me que traga à memória, uma personagem do século XVI, S. João de Deus, o “Louco de Granada, o excluído, porque “louco”, assim considerado por alguns. Ele foi mentor da saúde integral e, por isso, também, da saúde mental e das questões da exclusão social; teve intervenções inovadoras, favoráveis à integração social, com respostas personalizadas, abrangentes e em rede. É que ele estava convencido do valor de cada pessoa: “Vale mais uma alma (pessoa) do que todas as coisas do Mundo!” – dizia convicto.

Talvez por isso, nas suas relações pessoais e sociais, ousou adoptar uma grande proximidade com toda a gente, tomando a todos como irmãos, a ponto de se emocionar, profundamente, ao ver as pessoas com maiores necessidades. Para elas procurava as respostas possíveis, progressivas, adaptadas a cada uma e a cada circunstância, em consequência do seu coração “humanizado” e de uma inteligência iluminada: ele sabia fazer um bom “diagnóstico”, não confundindo a pessoa com a patologia e a problemática social, embora as tivesse na devida conta para o plano interventivo.

A sua intervenção de acolher e tratar os mais frágeis consistia, também, na profilaxia da exclusão e na integração do excluído na Família e na Sociedade, tendo em conta a realização da pessoa, quanto a valores e projectos. Ele bem sabia conjugar os valores humanos, espirituais e religiosos, com a ciência e a técnica da sua época.

 

Um grande desafio

Este é um grande desafio: estamos, de facto, convencidos de que cada pessoa, como individuo, vale mais do que tudo o resto, por mais valioso que seja?! A exclusão social e outras formas de exclusão não são apenas do nosso tempo, embora persistam, como perduram, também, a fuga às responsabilidades pessoais interventivas e em relação ao dinamismo culpabilizante dos outros…

Nestas questões, o não querer ver, o acostumar-se, o conformar-se e a insensibilidade impedem ou, pelo menos, dificultam e atrasam o processo de integração de pessoas excluídas e conduzem outras a caminhos de exclusão, com grandes probabilidades de retorno difícil para muitos e sem retorno, também, para muitos outros.

Novos tempos, novos problemas, novas sensibilidades, novos paradigmas, novos valores, novos desafios!… Também as respostas têm de ser inteligentes, complementares, em rede, com responsabilidade por parte das instituições públicas e privadas, assumindo, cada qual, as suas responsabilidades, em diálogo colaborante e eficiente, à medida do nosso tempo e tendo como centralidade a Pessoa Humana!

A “saúde” de uma Sociedade mede-se pelos valores que defende e pelo modo como integra  e cuida dos seus cidadãos, designadamente os que apresentam especiais limites e deficiências! A antecipação nas respostas profiláticas é sintoma de perspicácia e de eficiência, facilitando as possíveis intervenções específicas, nos diversos casos inevitáveis.

Deixo-vos esta mensagem, na certeza de que, quando o Homem quer, a obra acontece. O futuro será diferente, se cada um e todos nós assumirmos, convictamente, que é possível melhorar e usufruir de saúde mental e colocarmos a Pessoa e a Família no centro das decisões políticas e sociais. Este é um desafio de Saúde e de Serviço Cívico de Bem Comum, que entendemos como processo de Saúde Mental, nunca acabado e que é sempre novo!

 

D. António Carrilho, Bispo do Funchal

(Abertura das IV Jornadas de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica da Casa de Saúde de S. João de Deus – Funchal)

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