A Igreja Católica e a não-confessionalidade do Estado

O presidente da Comissão Episcopal da Cultura, D. Manuel Clemente, apelou aos jornalistas católicos a “encarar a nossa presença no mundo enquanto cristãos” como uma forma de superar o fundamentalismo político-religioso O presidente da Comissão Episcopal da Cultura, D. Manuel Clemente, apelou aos jornalistas católicos a “encarar a nossa presença no mundo enquanto cristãos” como uma forma de superar o fundamentalismo político-religioso. Falando da relação da Igreja com os poderes públicos, este responsável católico advertiu que a Cidade não é uma realidade total nem totalitária, dado que “a existência ultrapassa o tempo”. As religiões activam esta dimensão, libertando as sociedades de qualquer encerramento temporal: “as sociedades que se fecham à transcendência morrem, é muito difícil escrever sobre a areia ou sobre a água”, afirmou. “Podemos desistir de pensar e relativizar tudo? A cidade não deve estar fundamentada sobre uma base sólida, uma racionalidade global onde todos se possam entender?”, perguntou. Apresentando uma reflexão que partiu da legitimação da sociedade no comportamento de Jesus e na primeira geração cristã, D. Manuel Clemente distinguiu entre “laicidade” e “laicismo” para falar da autonomia da sociedade em contraposição com os ataques ao papel e lugar da religião. “A laicidade é um fruto claro do cristianismo, não conheço outra tradição religiosa que a legitime como nós, de uma maneira positiva”, assegurou. “A maior diferença entre estas questões hoje e antes do séc. XIX, a chave está na palavra medo: as sociedades tiveram medo de não serem confessionais, em que a resposta não residia na liberdade mas na necessidade de segurança”, acrescentou D. Manuel Clemente. Criticando as formas de religiosidade “totais e totalitárias, que não distinguem o homem da natureza”, o bispo auxiliar de Lisboa destacou essa capacidade do cristianismo em ultrapassar os medos da humanidade. “A menção ou não do Cristianismo na Constituição Europeia, por exemplo, não tem a ver com juízos ideológicos mas com factos: a Europa dos Gregos e dos Romanos não é esta, esta é a Europa da Cristandade Medieval”, destaca. “Por respeito à secularidade os chefes de Estado não podem extravasar as suas funções, passando do discurso do que é ao que deva ser a sociedade em termos religiosos, porque isso compete aos cidadãos”, referiu D. Manuel Clemente, recordando recentes declarações do presidente da República Portuguesa onde este defendia que a Europa não era nem deveria ser um “clube cristão”. O contributo do cristianismo num Estado não-confessional passa por oferecer a ajuda das comunidades crentes, na construção de uma sociedade melhor. “O que a Igreja tem para propor é a experiência de Jesus, vivida em termos pessoais e comunitários”, referiu D. Manuel Clemente. Interrogado sobre se haverá noutras religiões fundamento para a abertura à laicidade, o bispo afirmou crer que “no Islão será mais difícil, já que esta é uma realidade mais teocrática, mais total.” “A pessoa de Jesus dá-nos uma possibilidade viva de equacionarmos um conjunto de propostas, dando ao debate inter-religioso caminhos de mútua potenciação”, concluiu.

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