A família migrante

Mensagem do Papa Bento XVI para o 93º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, celebrado a 14 de Janeiro de 2007 Por ocasião do próximo Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, ao olhar para a Sagrada Família de Nazaré – ícone de todas as famílias – gostaria de convidar-vos a reflectir sobre a condição da família migrante. O evangelista Mateus narra que, pouco tempo depois do nascimento de Jesus, José foi obrigado a partir, de noite, para o Egipto levando consigo o menino e sua mãe para fugir à perseguição do rei Herodes (cf. Mt 2, 13-15). Comentando esta página evangélica, o meu venerável predecessor, o Servo de Deus, Papa Pio XII, escreveu em 1952: «A família de Nazaré no exílio – Jesus, Maria e José – emigrantes no Egipto e lá refugiados para se subtraírem à ira de um ímpio rei, são o modelo, exemplo e apoio para todos os migrantes e itinerantes de qualquer idade, origem ou condição que, ameaçados pela perseguição ou pelas necessidades, se vêem obrigados a abandonar a pátria, os parentes queridos, os vizinhos, o afecto dos amigos, deslocando-se para terras estrangeiras» (Exsul familia, AAS 44, 1952, 649). No drama da família de Nazaré, obrigada a refugiar-se no Egipto, vemos a dolorosa condição de todos os migrantes, especialmente dos refugiados, exilados, deslocados, prófugos e perseguidos. Entrevemos as dificuldades de cada família migrante: as privações, as humilhações, as limitações e a fragilidade de milhões e milhões de migrantes, prófugos e refugiados. A família de Nazaré reflecte a imagem de Deus conservada no coração de cada família humana, mesmo se desfigurada e debilitada pela migração. PROTEGER O LUGAR DA VIDA E DA INTEGRAÇÃO DE VALORES O tema do próximo Dia Mundial do Migrante e Refugiado – a família migrante – coloca-se em continuidade com os de 1980, 1986 e 1993, e pretende realçar ulteriormente o compromisso da Igreja a favor, não só do indivíduo migrante, mas também da sua família: lugar e recurso da cultura de vida e factor de integração de valores. São tantas as dificuldades que a família do migrante encontra. O facto de estarem longe dos seus familiares e a impossibilidade de se reunirem é, muitas vezes, ocasião de ruptura dos vínculos originários. Instauram-se relações novas e nascem novos afectos; esquecem-se do passado e dos próprios deveres, que são provados duramente pela distância e pela solidão. Se não se garante à família emigrada uma real possibilidade de inserção e de participação é difícil prever o seu desenvolvimento harmonioso. A Convenção Internacional para a Protecção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e membros das suas Famílias, que entrou em vigor a 1 de Julho de 2003, pretende tutelar os trabalhadores migrantes, homens e mulheres, assim como os membros das respectivas famílias. É reconhecido o valor da família também no que diz respeito à migração, fenómeno que já se tornou estrutural das nossas sociedades. A Igreja encoraja a ratificação dos instrumentos internacionais legais destinados a defender os direitos dos migrantes, refugiados e suas famílias e, oferece, através das suas Instituições e Associações, aquela advocacy que se torna cada vez mais necessária. Com essa finalidade foram abertos Centros de apoio aos migrantes, Casas para os acolher, Escritórios para serviços às pessoas e às famílias, assim como se criaram outras iniciativas para responder às crescentes exigências neste campo. RECUPERAR A CULTURA DO RESPEITO E O VALOR DO AMOR Já muito se faz pela integração das famílias dos migrantes, mesmo que ainda haja muito por fazer. Existem dificuldades reais relacionadas com alguns «mecanismos de defesa» da primeira geração emigrada, que correm o risco de constituir impedimento para o ulterior amadurecimento dos jovens da designada segunda geração. Eis por que se torna necessário predispor intervenções legislativas, jurídicas e sociais para facilitar tal integração. Nos últimos tempos aumentou o número das mulheres que deixam o próprio País de origem em busca de melhores condições de vida, com vista a perspectivas profissionais mais promissoras. Outras mulheres – e não são poucas ! – tornam-se vítimas do tráfico de seres humanos e da prostituição. Quando as famílias se voltam a reunir, as assistentes sociais, sobretudo as religiosas, podem prestar um serviço de mediação apreciado que merece ser cada vez mais valorizado. Quanto ao tema da integração das famílias dos migrantes, sinto o dever de chamar a atenção para as famílias dos refugiados, cujas condições parecem piorar em relação ao passado, no que se refere precisamente à reunificação dos núcleos familiares. Nos “campos” que lhes estão destinados, às dificuldades de alojamento e das próprias pessoas, relacionadas com os traumas e stress emocional devido às trágicas experiências vividas, por vezes junta-se o risco do envolvimento de mulheres e crianças na exploração sexual, como mecanismo de sobrevivência. Nestes casos é necessária uma atenta presença pastoral que, além da assistência capaz de aliviar as feridas do coração, ofereça um apoio por parte da comunidade cristã que restaure a cultura do respeito e faça redescobrir o verdadeiro valor do amor. É também necessário encorajar quem está interiormente destruído a recuperar a confiança em si mesmo. Por fim, é necessário que nos comprometamos para que lhes sejam garantidos os direitos e a dignidade das famílias e um alojamento correspondente às suas exigências. Dos refugiados deve-se pretender que cultivem uma atitude aberta e positiva em relação à sociedade que os acolhe, mantendo uma disponibilidade activa face às propostas de participação para assim construir juntos uma comunidade integrada, que seja «casa comum» de todos. ESTUDANTES: O RISCO DA CRISE DE IDENTIDADE Entre os migrantes há uma categoria que merece ser considerada de modo especial: é a dos estudantes de outros Países, que se encontram distantes da própria casa, sem o adequado conhecimento da língua, sem amizades e muitas vezes com uma bolsa de estudos insuficiente. A condição deles torna-se ainda mais grave quando se trata de estudantes casados. A Igreja, com as suas Instituições, esforça-se por tornar menos dolorosa a falta de apoio familiar destes jovens estudantes, e ajuda-os a integrarem-se nas cidades que os acolhem, pondo-os em contacto com famílias dispostas a hospedá-los e a facilitar o recíproco conhecimento. Como tive oportunidade de dizer noutra ocasião, ajudar os estudantes estrangeiros é «um importante campo de acção pastoral. De facto, os jovens que deixam o próprio País, por motivo de estudo, vão ao encontro de não poucos problemas e, sobretudo, correm o risco de uma crise de identidade» (Discurso aos estudantes das Universidades de Roma, in L’Osservatore Romano: 15.12.2005). INSISTIR NA SENSIBILIZAÇÃO DOS CRISTÃOS E DA OPINIÃO PÚBLICA Caros irmãos e irmãs, que o Dia Mundial do Migrante e Refugiado se torne uma ocasião propícia para sensibilizar as comunidades eclesiais e a opinião pública para as necessidades e problemas, assim como para as potencialidades positivas, das famílias migrantes. Dirijo de modo especial o meu pensamento a quantos estão directamente relacionados com o vasto fenómeno da migração, e empregam as suas energias pastorais ao serviço da mobilidade humana. As palavras do apóstolo Paulo «caritas Christi urget nos» (2 Cor 5, 14) os estimule a comprometerem-se preferencialmente com os irmãos e irmãs em maior vulnerabilidade. Com estes sentimentos, invoco sobre cada um de vós a assistência divina e a todos concedo com afecto uma especial Bênção Apostólica. Vaticano, 18 de Outubro de 2006 BENEDICTUS PP. XVI

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