A cruz escondida

1 de Maio de 2018. Ataque na Igreja Nossa Senhora de Fátima, em Bangui

O testamento do Padre Albert

Foi assassinado quando celebrava missa perante centenas de fiéis na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Bangui, a capital da República Centro-Africana. Foi um ataque violentíssimo, com metralhadoras e granadas. Além do Padre Albert, morreram mais 19 cristãos. O Padre Albert foi assassinado mas deixou uma memória que perdura até aos dias de hoje. Era um construtor de paz.

Eram já dias negros os que se viviam na República Centro-Africana, mas ninguém imaginaria que algo assim pudesse acontecer. Talvez por isso, a igreja estava cheia de fiéis quando se começaram a escutar os primeiros tiros. O som incessante das rajadas de metralhadoras misturou-se com o estampido de granadas a explodir dentro do edifício. Num instante, os cânticos transformaram-se em gritos de dor. Foi um massacre. Nenhuma outra palavra é mais apropriada para definir o que aconteceu naquela terça-feira, dia 1 de Maio de 2018. A tal ponto que esse dia passou a ser considerado como um dos mais negros da história deste país em guerra desde há sete anos… Vinte pessoas morreram e mais de 140 ficaram feridas. O Padre Albert, um homem bom, de olhar meigo e voz pausada, não sobreviveu à bala que o trespassou. Tinha 71 anos e era sacerdote há mais de quarenta. A sua morte, assassinado em plena igreja, foi o epitáfio cruel para alguém que se bateu toda a vida pela paz.

 

Pobre país rico

A República Centro-Africana é quase um caso perdido de um país em guerra desde 2013. Segundo as Nações Unidas, quase 80% dos seus habitantes são tão pobres que precisam de ajuda humanitária para sobreviver apesar da enorme riqueza que se esconde no subsolo, onde abundam recursos minerais, como ouro ou diamantes. O país vive uma terrível onda de violência desde a queda do presidente François Bozizé, em 2013, com grupos armados muçulmanos, os Séléka, a espalharem a violência contra as populações civis, nomeadamente os cristãos, o que deu origem à criação de grupos de auto-defesa, conhecidos localmente como os “anti-Balaka”. Calcula-se que, em todo o país, haverá cerca de duas dezenas de milícias armadas que são responsáveis pelos ataques contra as populações, raptos, roubo de recursos minerais, assim como gado e contrabando. De facto, o país, extraordinariamente rico em ouro e diamantes, gera uma enorme cobiça o que talvez ajude a compreender o caos em que se encontra. Perante a incapacidade em assegurar a defesa das populações, são as Nações Unidas que têm assumido essa difícil tarefa recorrendo ao esforço de vários países que enviaram capacetes azuis para as zonas mais problemáticas. Portugal é um desses países.

 

Semear palavras de paz

Mas o esforço dos capacetes azuis tem-se revelado inglório perante a tenacidade dos grupos armados que pululam no país, especialmente nos grandes centros urbanos como é o caso da cidade de Bangui. O ataque à Igreja de Nossa Senhora de Fátima foi uma demonstração de força destes grupos, às vezes verdadeiras milícias que ostentam armamento pesado e que desafiam constantemente a débil autoridade do Estado. Todos os dias o Padre Albert procurava semear palavras de paz no ambiente profundamente carregado que se vivia em Bangui. Nunca mostrou medo. Prova disso, nunca se afastou do bairro PK5, uma espécie de enclave muçulmano na capital da República Centro-Africana. O Cardeal Nzapalainga escreveu, logo após o seu assassinato, que o Padre Albert fazia questão de assumir em plenitude a urgência da coesão, fraternidade e unidade entre todos os habitantes da cidade. Para isso, e porque os gestos valem por vezes mais do que as palavras, era nesse bairro que o Padre Albert vivia. Escreveu o cardeal: “Ele não se afastou desse bairro, ele vivia lá. Durante os últimos acontecimentos, ainda celebrou no bairro para demonstrar a sua coragem, determinação, fidelidade e empenho. Foi um padre que… foi abatido enquanto desempenhava o seu ministério, com o seu terço.”

 

Memória que perdura

O Padre Albert Toungoumalé-Baba era muito amigo da Fundação AIS. Ele sabia o que era viver a experiência da Igreja perseguida, da Igreja que sofre. Ele sabia como era difícil enxugar as lágrimas das mães que não conseguiam calar o choro de fome dos seus filhos, ou dos que lamentavam os que morriam em ataques, numa espiral de ódio e vingança que parecia não ter fim. Era tão amigo da Fundação AIS que escreveu uma mensagem aos seus benfeitores. Mais do que uma mensagem era um pedido de ajuda. Um pedido de orações pela paz. “Rezem, rezem sem cessar por nós, como Jesus nos ensinou. Rezai sem cessar sempre e em todo o lugar… Benfeitores da AIS, onde quer que estejam, rezem por nós todos os dias, não percam a esperança em Deus como nós também não a perdemos…” A notícia do assassinato do Padre Albert há dois anos, em plena Igreja, quando decorria a missa, chocou o mundo. Mataram um sacerdote mas não conseguiram apagar a sua mensagem. A memória do Padre Albert perdura até aos dias de hoje. Era um homem bom, era um construtor de paz.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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