A cruz escondida

D. José Aguirre denuncia roubo das riquezas naturais da República Centro-Africana

O único refúgio

A República Centro-Africana vive uma terrível onda de violência desde 2013. Milícias armadas são responsáveis por ataques contra as populações, raptos e contrabando. O Bispo de Bangassou diz que o país está a saque por causa das enormes reservas de ouro, diamantes, coltan… Apesar de tudo isso é, talvez, o país mais pobre do mundo…

A República Centro-Africana está a saque, com os recursos naturais a serem delapidados por grupos estrangeiros que estão a reduzir as populações à miséria. Aparentemente, o país está mergulhado numa guerra com contornos religiosos, com muçulmanos radicais, os Séléka, a espalharem o caos e a serem combatidos por grupos de auto-defesa, não menos violentos, os anti-Balaka. Para D. Juan Aguirre, Bispo de Bangassou, isso é apenas “uma cortina de fumo” para esconder a realidade. A República Centro-Africana é um dos países mais perigosos do mundo. O Estado central não existe e os grupos armados semeiam a violência, o medo e o caos por todo o lado. Ninguém está a salvo. Nem a Igreja.
Novembro de 2018. Um campo de refugiados, apoiado pela Igreja e situado nas imediações da Catedral de Alindao, foi atacado com brutalidade demente por homens armados. Elementos dos Séléka provocaram a fuga de milhares de pessoas. Nesse ataque, 80 pessoas foram assassinadas, entre os quais dois sacerdotes. Mais de dois mil refugiados fugiram para a floresta para salvar as próprias vidas. D. Aguirre, entrevistado pela Fundação AIS, não poupa nas palavras. “Foi um crime contra a humanidade.”
Um mês depois, outro ataque. A cidade de Bakouma ficou quase destruída e a missão católica foi saqueada. D. Aguirre recorda-se de tudo. “Uma semana depois, ainda havia corpos nas ruas da cidade.”

 

Milhares em fuga

Os que puderam fugir fugiram. Muitos foram para Bangassou, a 130 km. “Estavam exaustos, com a sua vida em ruínas.” Eram homens, mulheres e crianças. Só queriam sobreviver. Muitos perderam a família. Alguns são ainda crianças. “No nosso orfanato, Mama Tongolo, temos ainda dezenas de crianças que chegaram a Bangassou, sem saberem onde estavam os seus pais ou se ainda estavam vivos ou não…”
Os ataques não são de agora. Cidade de Nzacko, 2017. Um grupo de mercenários ataca a região. D. José Aguirre não tem dúvidas em dizer que eram quase todos estrangeiros. A missão católica foi completamente destruída. O Bispo de Bangassou não compreende tanta violência, tanta maldade.
São mercenários a soldo de países estrangeiros, de empresas com interesse nos inúmeros recursos naturais do país: ouro, diamantes, coltan… Essas riquezas valem mais, muito mais do que a vida das populações. Afinal, diz D. José Aguirre, “são sempre os mais pobres que pagam o preço…” Tem saído assim, de facto, mas no final fica a certeza de que ali, na República Centro-Africana, a Igreja é o refúgio dos que já perderam tudo. Até a esperança. Às vezes é mesmo o único refúgio.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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