Relatório revela violência brutal contra a Igreja da Nicarágua desde 2018
Podemos ignorar?
Um bispo na prisão, 37 padres exilados, 32 religiosas expulsas do país, confisco de, pelo menos, 7 edifícios da Igreja, nomeadamente um convento. No total foram 529 ataques do regime liderado por Daniel Ortega à Igreja desde Abril de 2018. Todos estes dados foram compilados num relatório a que a Fundação AIS teve acesso. Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar…
São 323 páginas, divididas por quatro capítulos, em que se abordam as hostilidades sofridas pela Igreja Católica na Nicarágua ao longo dos últimos cinco anos. Um estudo que dá conta, por exemplo, das 3.176 proibições de procissões na via pública durante a Semana Santa deste ano. O Relatório, produzido pela investigadora Martha Molina, que também está no exílio, detalha as diversas situações de perseguição contra a Igreja durante este período, o que inclui profanações, sacrilégios, roubos e atentados, além da prisão e expulsão do país de diversos padres, irmãs e leigos. O número de incidentes poderá ser ainda maior, pois muitos não terão sido reportados dado o clima de medo nas pessoas face à hostilidade do regime. Um dos elementos que o estudo revela é o aumento exponencial dos ataques já no corrente ano. Ao longo dos cinco anos avaliados pelo Relatório, percebe-se que a Arquidiocese de Manágua foi a mais atingida pela repressão do regime, seguindo-se a Diocese de Matagalpa – cujo bispo, D. Rolando Álvarez, está detido –, e as de Estelí e de Granada. Particularmente chocante é a constatação do que tem sido a repressão aos membros da Igreja. Durante o período em análise, registaram-se 193 ataques a religiosos [bispos, sacerdotes, diáconos, seminaristas e irmãs], que incluem ameaças de morte, tentativas de homicídio, agressões, processos penais, desterro, expulsões, proibições de entrada ou de saída do país. Esta pressão sobre a Igreja materializou-se no exílio, até ao momento, de 16 religiosos, ou seja, 1 bispo, dois diáconos e 13 sacerdotes. Foram também expulsos do país o núncio apostólico e dois padres. Oito religiosos foram desterrados.
Arma apontada à cabeça
O Relatório de Martha Molina descreve também, em pormenor, incidentes registados ao longo destes anos em igrejas e com sacerdotes ou outros elementos destacados da comunidade católica. As situações são as mais distintas que se possa imaginar. Desde um padre, Vicente Martínez, Pároco de Santa Lucía, em Matagalpa, que se viu ameaçado com uma metralhadora apontada à cabeça, até à Igreja de San Juan Bautista, em Masatape, que foi atacada com um morteiro, passando por agressões físicas a bispos e sacerdotes, e a condenação de D. Rolando Álvarez a 26 anos e quatro meses de prisão. Há um total de 529 incidentes que demonstram como a comunidade católica tem vivido efectivamente tempos negros de perseguição na Nicarágua.
Sinal da degradação da situação é também o facto, descrito igualmente no relatório, da ruptura das relações diplomáticas entre a Santa Sé e a Nicarágua. Como a Fundação AIS já noticiou, a Santa Sé deixou de ter representação diplomática com a saída, em 17 de Março, de Monsenhor Marcel Diouf, encarregado de negócios, que ocupava o lugar deixado vago pelo núncio apostólico, D. Waldemar Stanislaw Sommertag, que tinha sido expulso do país em 12 de Março 2022. O encerramento da Sede Diplomática do Vaticano fora pedido pelo Governo nicaraguense sete dias antes, a 10 de Março, na sequência de declarações do Papa Francisco a um ‘site’ argentino. Nessa entrevista, o Santo Padre falava do “desequilíbrio da pessoa que lidera” a Nicarágua, referindo-se a Daniel Ortega e descrevia o país como sendo uma “ditadura grosseira”, comparando-a à tirania soviética de 1917 e à de Hitler, em 1935. Com a saída do último representando do Vaticano da Nicarágua, o edifício da Nunciatura e os seus bens e arquivos foram confiados à representação italiana. O fecho da embaixada foi o culminar do afastamento nas relações entre os dois Estados.
Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt