A cruz escondida

Fátima Castro, leiga missionária de Braga em Ocua, Cabo Delgado

“Procuro ser porto de abrigo”

Sabe onde fica a 552ª paróquia da Arquidiocese de Braga? Fica muito longe, a mais de 11 mil quilómetros de distância. É na Diocese de Pemba, em Cabo Delgado, a região mais pobre de Moçambique, que vamos encontrar a Paróquia de Santa Cecília de Ocua. É aí também que vamos ao encontro de Fátima Castro. Todos os dias esta jovem leiga missionária portuguesa procura “mudar os pequeninos mundos de alguém”.

Ocua é um ponto quase imperceptível no mapa. Mas é muito importante para a vida da Igreja. Desde Outubro de 2014 que a Arquidiocese de Braga apadrinhou esta paróquia situada na Diocese de Pemba, em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. O projecto Salama tem levado até Ocua vários jovens missionários leigos e também sacerdotes. Eles são uma presença solidária numa região marcada pela pobreza e, desde 2017, também pela violência do terrorismo. A 552ª paróquia da Arquidiocese de Braga é mesmo um mundo à parte. São 98 comunidades, algumas bem distantes, onde só se chega por verdadeiras picadas que põem à prova a resistência das pessoas e dos automóveis. Mas os que vivem por ali não têm carro. Nem electricidade, nem água canalizada. A pobreza está presente em todo o lado, em todos os rostos. Fátima Castro, uma jovem missionária leiga portuguesa oriunda de Santo Emilião, uma pequena aldeia em Póvoa de Lanhoso, está em Ocua desde Agosto de 2021. “Vivo esta experiência como uma humilde tentativa de viver o Evangelho. Cedo percebi que não iria mudar o mundo, mas que podia mudar os pequeninos mundos de alguém”, explica, à Fundação AIS. Fátima faz um balanço positivo desta experiência, destacando a importância da presença junto dos que mais sofrem, dos que não têm quase nada nem ninguém. “Aprendi que, às vezes, o mais importante é estar. Estar com outro e ser para o outro. Mais do que fazer muitas coisas, procuro ser presença, ser ajuda, ser porto de abrigo, ser a mão estendida para ir ao encontro…”

Enganar a fome

E como tem sido importante ser uma mão estendida e ter um sorriso para oferecer! Desde o final de 2017 que Cabo Delgado vive em sobressalto por causa dos ataques terroristas. Têm sido anos de violência, com mais de 4 mil mortos e quase um milhão de deslocados. Muitos dos que vivem em Ocua, ou que passam pela missão, nem precisam de trazer no olhar a inquietação de quem viveu de perto o medo provocado pelos terroristas. Basta a pobreza. Fátima Castro encontra todos os dias pessoas com olhos suplicantes por comida, mães inquietas com o choro de fome dos seus filhos. Fátima Castro sabe todos os dias como é difícil a vida em Ocua, a 160 km da cidade de Pemba. “É frequente, nos últimos tempos, chegarem à missão bebés que são alimentados com farinha de milho nos primeiros meses de vida, porque as mamãs não conseguem amamentar porque também não têm o que comer. Uma das mamãs já não comia há dois dias! Os papás vão apanhando todo o tipo de folhas para conseguir sobreviver e alimentar a família. Muitas crianças enganam a fome roendo pau de mandioca seca ou chupando cana-de-açúcar.”

Colheitas a apodrecer

Ocua é um ponto quase imperceptível no mapa. À sua volta há ainda lugares mais minúsculos, mas onde vivem pessoas. Esta é uma zona rural, demasiado distante da cidade, das coisas mais básicas. “Em Ocua a electricidade pública ainda não chegou e só encontramos água nos poços comunitários”, relata a missionária de Póvoa de Lanhoso. “Ao poço da missão chegam-nos mais de 50 mamãs todos os dias para tirar água. Este é o retrato de toda a paróquia. O meio de subsistência deste povo passa pelo trabalho nas machambas (hortas) onde, em tempos ‘abastados’, conseguem cultivar mandioca, milho, feijão e gergelim. Mas não será a realidade deste ano. As pragas e o período das chuvas foram tão intensos que muitas das colheitas estão a apodrecer.” Ser missionária em Ocua significa ter coragem e disponibilidade, ter os braços sempre abertos. “Cada dia é um novo dia e lá vou encontrando forças para cuidar, com caridade, das preocupações e do olhar deste povo que expressa, tantas vezes, um grito silenciado pelas dificuldades enfrentadas. É um olhar de sofrimento. De dor. De incerteza pelo dia de amanhã.” Fátima Castro gosta de citar São João Paulo II, gosta de dizer que a solidariedade prova que nenhum povo está sozinho ou abandonado. “Neste cantinho da Diocese de Pemba, vou sentindo que há muitas pessoas que não só abraçam as causas, mas tornam-se parte delas, até porque quando falamos de sofrimento humano não olhamos a raças, religiões, cores, etnias… somos todos irmãos.” Obrigado, Fátima!

Paulo Aido | fundacao-ais.pt

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