A cruz escondida

A história dramática de Rita, uma mulher cristã escravizada no Iraque

“Fui vendida a um emir…”

Estava em Qaraqosh no dia em que a cidade iraquiana foi ocupada pelos jihadistas do Daesh. A cristã Rita Habib foi escravizada, vendida, agredida, violentada. O seu testemunho faz parte do relatório da Fundação AIS sobre o rapto, conversão forçada e violência contra mulheres e raparigas cristãs no mundo. Um documento que mostra uma face oculta da perseguição contra as minorias religiosas…

Rita teve azar. Dias antes de o Daesh invadir e ocupar a cidade iraquiana de Qaraqosh, na Planície de Nínive, tinha estado na Turquia a tratar dos papéis para um pedido de asilo para si e para o seu pai. Quando regressou a casa, já com o processo encaminhado, quase que teve de furar caminho entre as multidões que abandonavam já a região, perante a chegada iminente dos temíveis e bárbaros jihadistas. Rita não tinha alternativa. O pai, invisual, estava à sua espera. Atravessou de novo as portas da cidade a 6 de Agosto de 2014. Na manhã seguinte, a primeira coisa que viu, quando espreitou pela janela, foi a cidade em alvoroço, cheia de homens armados, e imensas bandeiras negras do Daesh nas ruas.  Os terroristas do Estado Islâmico tinham chegado. Todos os habitantes foram feitos prisioneiros e divididos em grupos. Homens para um lado, mulheres e crianças para outro. Rita perdeu o contacto com o pai e foi levada para Mossul. Disseram-lhe que ia ser trocada por outros prisioneiros. “Vocês são os despojos da guerra”, disseram a Rita, colocando as mulheres e jovens cristãs e yazidis – outra minoria religiosa existente no Iraque – no mesmo grupo de pessoas sem direitos, objectos que se podem transacionar. Foi o que lhe aconteceu. Em pleno séc. XXI, perante a indiferença do mundo, Rita e tantas outras mulheres foram vendidas como escravas. A sua história, escrita com lágrimas, é um dos elementos de prova do relatório da Fundação AIS – “Oiçam os gritos delas” – sobre o rapto, a conversão forçada e a violência contra mulheres e raparigas cristãs. Rita foi comprada pela primeira vez por um iraquiano de Mossul e permaneceu com ele durante um ano e meio. “Fui vendida ao [Emir] Abu Mus’ab al-Iraqi. Na sua casa, havia também uma rapariga yazidi de Sinjar, chamada Shata… tinha apenas 14 anos. O emir violou-nos às duas vezes sem conta. Fomos violadas e torturadas.”

Longo cativeiro

A história do cativeiro de Rita prolongou-se por longos meses. De Mossul foi para Racca, onde passou a ser propriedade do saudita Abu Khalid al-Saudi, um homem casado com uma marroquina, que infernizou ainda mais a sua vida.  “Fui espancada e torturada por ela todos os dias. Obrigaram-me a ler o Alcorão e ameaçaram matar-me se eu não me convertesse ao Islamismo.” Era a escrava da casa. Deixou de ter nome. Passou a ser a “abed”, a escrava, ou “kafir”, a infiel. Depois mudou ainda de dono. Foi comprada ainda por um sírio. Estava a viver na aldeia de Deir ez-Zur quando elementos da Fundação Shlama, um grupo financiado pela diáspora assíria e caldeia, se fizeram passar por jihadistas para conseguirem comprar a sua liberdade. A história de Rita é apenas um exemplo do extenso ‘dossier’ produzido pela Fundação AIS onde se procura denunciar a situação dramática em que se encontram raparigas e mulheres cristãs em várias regiões do globo, vítimas de perseguição, violência sexual, rapto e conversões forçadas. O relatório, “Oiçam os gritos delas”, indica que esta é uma realidade não só no Iraque, mas também no Paquistão, Nigéria, Egipto, Síria e Moçambique… Em comum a todos os casos analisados, está o facto de os violadores, os raptores, pertencerem à comunidade muçulmana e olharem para as mulheres e raparigas cristãs com absoluto desprezo. A investigação da Fundação AIS aponta para uma realidade de tal forma dramática que se pode falar em “catástrofe” ao nível dos direitos humanos. O trabalho da Fundação AIS refere ainda que os casos de conversão forçada de raparigas e mulheres cristãs “pode ser classificado como genocídio”, pois decorre da ameaça de destruição da comunidade por grupos jihadistas. Rita Habib foi escravizada, vendida, agredida, violada. O seu testemunho é um grito de denuncia e de revolta que mostra ao mundo uma face oculta da perseguição contra as minorias religiosas. Não podemos ficar indiferentes a estas histórias.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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