A cruz escondida

Catequista arrisca a vida para salvar livros que são “tesouro” da paróquia

O herói de Palma

Durante o mais recente e ousado ataque em Cabo Delgado, um humilde catequista arriscou a vida para salvar os livros de registo da Paróquia de Palma. Durante dias, com a vila ocupada pelos jihadistas, escutando-se tiros e explosões por todo o lado, Agostinho Matica ficou escondido junto à igreja para proteger o “tesouro” da comunidade cristã. Faltavam 11 dias para a Páscoa quando tudo começou…

“Sou animador da Paróquia de São Bento de Palma.” Num português difícil, o catequista Paulo Agostinho Matica apresenta-se. Foi no dia 4 de Junho. Momentos antes, entregara nas mãos de D. António Juliasse, Administrador Apostólico de Pemba, os livros de registo da Paróquia de Palma, que escondeu e guardou como um verdadeiro tesouro quando a vila foi atacada por terroristas a 24 de Março. “No dia dos ataques estava na paróquia, a trabalhar na casa dos padres… seriam 14 horas. O Al Shabaab chega e ataca a Paróquia de Palma.” Agostinho Matica não tem dúvidas. Seriam 14 horas quando os primeiros terroristas se aproximaram da igreja.
Desde esse momento que este discreto catequista assumiu ter de salvar os livros onde estão os registos dos casamentos e de baptismos da paróquia. No fundo, assumiu salvar a memória histórica da comunidade católica de Palma. Durante dois dias, com a vila ocupada pelos terroristas, com as populações em fuga, escutando-se por todo o lado disparos e explosões, Paulo manteve-se escondido na casa paroquial. Ao terceiro dia decide arriscar e vai para Quitunda, uma pequena aldeia nos arredores da vila de Palma e daí segue para a vila de Senga, levando sempre consigo os livros que considera “o tesouro” da paróquia. Chegou lá na véspera do Domingo de Ramos. Toda a região é cenário de guerra. Os terroristas, que reclamam pertencer ao Daesh, estão a realizar um dos mais audaciosos ataques em Cabo Delgado. Circulam relatos de que em Palma há pessoas assassinadas, decapitadas, e centenas estão em fuga, num cenário de caos e de medo. Quando chega a Senga, o catequista encontra uma pequena comunidade cristã. Foi até comovente o que aconteceu. No meio daquele ambiente de guerra, com as pessoas sem saber muito bem o que fazer, alguns cristãos ao descobrirem ali um responsável da Igreja, um animador paroquial, fazem-lhe um pedido irrecusável. “Eles disseram-me: ‘Nós queremos rezar’. Então, fui à igreja e rezámos.” Na ausência de um sacerdote, é comum haver por ali, em Cabo Delgado, a Celebração da Palavra.

 

O regresso a Palma

Foi assim que os Cristãos de Senga viveram o Domingo de Ramos. Mas, para Paulo Matica, era preciso ainda encontrar um local onde se pudesse abrigar com mais segurança. Para isso, foi até Mwagaza, outra aldeia nas redondezas e onde tem familiares. “Fiquei lá até ao dia 11 de Abril.” Tendo recebido informações de que o ataque tinha terminado, Matica decide regressar, apesar do risco. “Regressei à paróquia para ver como aquilo estava…” O que encontrou deixou-o emocionado. E triste. A igreja tinha sido saqueada, havia sinais de destruição em todo o lado. A porta estava partida. Os terroristas tinham queimado imensas coisas, as imagens, alguns bancos, as colunas de som e até janelas. Tudo destruído. Paulo Matica guardava na casa sacerdotal cerca de 30 mil meticais [cerca de 400 euros] para as despesas da paróquia. Tudo tinha desaparecido. “Levaram o dinheiro, um plasma [televisão] e até a motorizada…”

Dois meses e onze dias depois de o ataque terrorista a Palma, o catequista Paulo Matica foi a Pemba entregar os livros da paróquia numa breve cerimónia testemunhada pela Fundação AIS. D. Juliasse, Administrador Apostólico da Diocese, destacou a coragem de quem menosprezou a própria vida “num momento difícil, de ataques, de disparos, de mortes e de fugas”. E falou num testemunho de amor para com a Igreja. “No meio do sofrimento há também este testemunho de amor para com a Igreja de Deus, uma Igreja que [o catequista Paulo Matica] ama e cuida.” A coragem de Paulo Agostinho Matica permitiu salvar os livros de registo da Paróquia de São Bento de Palma. Na verdade, são mais do que simples livros: naquelas páginas escritas à mão estão as memórias da comunidade cristã, os nomes dos que se casaram naquela igreja e ali também se baptizaram, se crismaram. Está tudo ali. Se não fosse a coragem deste homem, os livros da paróquia teriam servido para alimentar a fogueira de ódio que os terroristas acenderam no chão da igreja…

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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