A cruz escondida

Fugiu do Sudão do Sul por causa da guerra. Agora é refugiado no Uganda

O soldado de Jesus

Em minutos, perdeu pai, mãe, irmão e irmã. Foram todos assassinados. Em minutos, John Gasi ficou sozinho no mundo. A violência do que aconteceu ainda hoje o comove até às lágrimas. John fugiu, passou a fronteira para o Uganda. Fugiu para salvar a vida. Hoje, é um dos milhares de refugiados do Sudão do Sul neste país. Mas não ficou preso ao ódio nem à vingança. Tornou-se catequista. Tem uma missão: salvar almas…

Numa questão de minutos, os pais, a irmã e o irmão de John Gasi foram assassinados. Numa questão de minutos, John ficou com a vida desfeita. Ainda hoje, quando recorda a morte brutal de todos eles, os seus olhos ficam turvos de lágrimas. É uma dor que não passa. Uma cicatriz que está escondida no fundo da alma. John fugiu. Fugiu do Sudão do Sul, o país onde nasceu, onde tinha as suas raízes, onde pertencia. O mais jovem país do mundo praticamente nunca conheceu dias de paz. A independência, em 2011, ficou manchada por guerras de poder, por conflitos étnicos. O mais jovem país do mundo nasceu com os vícios mais antigos da humanidade. O assassinato dos pais e dos irmãos de John Joseph Gasi mudaram a sua vida por completo. John fugiu. Seguiu as pegadas dos outros. Calcorreou os caminhos calcados pelos pés de outros fugitivos como ele. Homens, mulheres, jovens e crianças. Fugiu da guerra para salvar a vida. John foi parar ao Uganda. Vive num campo de refugiados. Vive num dos vários campos de refugiados que nasceram no Uganda. Junto à fronteira com o Sudão do Sul há logo um, o de Bidibidi. É uma aldeia que se agigantou, que cresceu e que parece já nem ter fim. Nesse mundo de cabanas improvisadas, com paredes de paus entrelaçados cobertos com lama que se transforma quase em cimento vivem pessoas como John. Todos os refugiados têm histórias semelhantes. De dor e fuga. De lágrimas. Ops refugiados estão unidos por um passado que convoca dor, que agride os pensamentos. A guerra civil no Sudão do Sul já roubou muitas vidas. Mesmo os que sobreviveram aos combates, aos ataques, aos assassinatos, aos roubos, mesmo esses, de alguma forma também já morreram um pouco. John nunca mais será o mesmo desde o dia em que, num punhado de minutos, os seus pais e irmãos foram assassinados.

Descobrir Deus

John revoltou-se mas conseguiu sossegar a sua ira. Foi no campo de refugiados que descobriu que o ódio alimenta-se da vingança e da violência. Quando olha para trás, para o dia trágico que enlutou a sua vida para sempre, John consegue vislumbrar Deus. “Perdi o meu pai, perdi a minha irmã, perdi o meu irmão. Foi um momento muito doloroso, mas Deus decidiu deixar-me para que eu traga de volta a vida para o Sudão do Sul.” Sozinho no campo de refugiados, na imensidão de cabanas, de pessoas perdidas a tentarem refazer os seus quotidianos, John descobriu que não estava abandonado. Decidiu tornar-se catequista. Decidiu, como num impulso, que a sua presença, ali, refugiado entre refugiado, não poderia ser obra do acaso. Deus tinha planos para ele. A sua preocupação é ajudar os jovens, pessoas como ele, novas demais para se resignarem. Pessoas que poderão ainda acalentar todos os sonhos. “Muitos têm pensamentos de ódio e de vingança, mas eu falo-lhes de perdão…” John formou-se como catequista no centro Emaús, apoiado pela Fundação AIS, e que fica situado nos arredores da capital do Uganda. “Graças a vocês, à Ajuda à Igreja que Sofre, sou catequista e nestes tempos difíceis posso trazer às pessoas fé, esperança e amor. Obrigado pelo vosso apoio.” John fala com orgulho da sua nova vida. Até aceitou gravar um pequeno vídeo a contar a sua história para a Fundação AIS. E foi com um orgulho indisfarçado na voz que John, olhando para a câmara de filmar, disse que agora, como catequista, nos campos de refugiados do Uganda, era um soldado de Jesus. “Um soldado para lutar para trazer as almas de volta para Deus…”

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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