A Cruz escondida

Está a erguer-se em Havana a primeira Igreja Católica desde a revolução

Uma Igreja no quintal

Tudo ali parece carregado de simbolismo. No quintal de uma casa particular num bairro nos arredores de Havana nasceu uma comunidade católica. Agora, nesse mesmo bairro, está a nascer uma igreja. É a concretização de um sonho. Vai ser a primeira igreja a ser erguida na capital cubana desde o ano de 1959, quando Fidel Castro conquistou o poder…

As obras estão atrasadas por causa da pandemia do coronavírus. Mas isso não retira entusiasmo à pequena comunidade católica local. Ali, no bairro de Antonio Gutieras, no município de Havana Leste, a pouco mais de oito quilómetros do centro histórico da capital cubana, um pequeno barracão que vai fazendo as vezes da futura igreja é já um sinal imponente da presença de Deus. Para a maioria das pessoas, provavelmente, não passará apenas de um barracão com um tecto em chapa metálica. Para Ricardo Minguez, porém, aquelas paredes frágeis guardam algo de muito precioso que só se consegue ver mesmo com o coração. Por ali, onde ainda está apenas uma construção provisória, vai erguer-se uma igreja. Uma igreja que será, acima de tudo, um símbolo de fé e de determinação de um povo que nunca desistiu da sua identidade apesar de todo o sofrimento, de todas as dificuldades e perseguições.

O guardião do templo

Ricardo tem no rosto sulcado pelas rugas o seu verdadeiro bilhete de identidade. Ele é um dos que há mais tempo espera pelo dia de inauguração da “sua” igreja e, por isso, é dos que consegue descortinar a casa de Deus onde ainda os pedreiros mal começaram a juntar tijolos. Ricardo é um resistente. Aquela igreja está a ser sonhada desde há muitos anos. Há precisamente um quarto de século. Muitos companheiros desse sonho já partiram. Ricardo é agora uma espécie de guardião da vontade colectiva dos cristãos do bairro Gutieras, uma quase cidade-satélite com cerca de trinta mil habitantes junto da capital.

“Crescemos juntos”

A nova igreja marca também um tempo novo. É dedicada a São João Paulo II, o papa que, com a sua viagem a Cuba em 1998, deixou uma marca na História. “Que Cuba se abra ao mundo e que o mundo se abra a Cuba.” Ainda hoje, Ricardo parece escutar essas palavras do Santo Padre que ajudaram a desbloquear um relacionamento até ali muito difícil entre crentes e autoridades. “Começámos com muitas dificuldades. Há mais de um quarto de século, não podíamos falar muito sobre a vida católica”, recorda Ricardo. “Mas crescemos juntos.” O sonho de um dia terem um lugar a que pudessem chamar Igreja foi fazendo o seu caminho. Havia um fermento que alimentava esse sonho: a oração. “Rezámos sempre pela possibilidade de podermos construir um templo. Havia muitas dificuldades, de todos os tipos, mas, no final, o presidente Raúl Castro assinou o termo aqui”, lembra Ricardo Mínguez a uma equipa da Fundação AIS.

Juntar a pobreza

A comunidade católica local continua pequena e discreta, não juntando mais de uma centena de fiéis. A Igreja dedicada a São João Paulo II fez aumentar as responsabilidades de todos. É como se, agora, muitos olhos estivessem voltados para o templo que, aos poucos, está a crescer no bairro. Será um edifício modesto, um retrato da própria comunidade. A pandemia do coronavírus atrasou as obras. Inicialmente, havia o sonho de a inauguração ser a 18 de Maio, dia em que Karol Wojtyla nasceu. Esse sonho tornou-se impossível. Nesse dia 18 de Maio, quando o mundo assinalou o centenário do nascimento do Santo Padre, ainda foi no barracão com tecto de zinco que se celebrou a missa. “O cardeal deu-nos vinte cadeiras brancas, um diácono seis bancos usados, outros trouxeram as toalhas de mesa…” Foi tudo amealhado aos poucos, juntando a pobreza de cada um para que nada faltasse. “Há lugares para todos e ninguém precisa ficar de pé”, diz Ricardo, olhando em volta como se calculasse o número dos fiéis que normalmente assistem à missa. “Nos feriados, seremos mais, mas aos domingos, somos uns 70 ou 80.”

Apoio da Fundação AIS

A nova Igreja é como um puzzle. Todos os dias vai-se juntando mais um pedaço, uma peça, um tijolo… Todos os dias, algo mais vai sendo acrescentado ao edifício. Tudo se aproveita e tudo ganha, ali, uma nova vida. O material usado para a construção do altar para a missa celebrada em Havana pelo Papa Bento XVI, em 2012, está a ser reaproveitado. Na falta de recursos, porque a comunidade católica é pobre, as ajudas são sempre bem-vindas. A Fundação AIS apoia desde a primeira hora a construção desta igreja tão simples e tão simbólica. Aos poucos, o sonho de Ricardo Mínguez vai-se cumprindo. Aos poucos, a igreja vai ganhando corpo, vai-se afirmando entre os altos prédios do bairro. Parece um pequeno david contra vários golias. Mas isso não incomoda. Todos sabem como é que terminou a história de David na luta contra o gigante…

Paulo Aido | www-fundacao-ais.pt

 

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