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Os casos de violência doméstica pela voz de quem acolhe: mulheres que ajudam outras mulheres
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‘Assédio, Ciúme, Manipulação, Traição, Possessão, Agressividade e Paranóia’ levam à violência doméstica. No âmbito do Dia Internacional da Mulher a Agência ECCLESIA foi ao encontro de quem lida diariamente com as mulheres que precisam de ‘outra vida’ e passam por casas de abrigo que, mais do que abrigo, lhes devolvem a autoestima e a esperança.
Mulheres que fogem de homens que perderam a noção, da vida e do Amor, e se transformaram. Esposas e mães que se perderam nos sentimentos e desafiam o destino. Vítimas que passam e recuperam “entre vidas”.
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O Raio X, enquanto tecnologia, permite expor o invisível e foi mote para uma exposição de fotografia, intitulada «Por vezes, vê-se. Dói sempre.», que o designer e fotógrafo David Gama promoveu para sensibilização da temática da violência doméstica.
“São sete fotografias, cada uma tem um título inspirados em escritos relativos aos “Sete Pecados Capitais”, segundo a religião cristã, porque é algo que nos acompanha e faz parte da nossa conduta moral, mesmo que não sejamos católicos”, explicou o designer, em declarações à Agência ECCLESIA.
Esta exposição esteve nas paredes da Loja do Cidadão de Aveiro e queria chocar quem ali estava ou passava. A iniciativa foi uma parceria com o Centro Social e Paroquial da Vera-Cruz, em Aveiro, através da sua valência de apoio a vítimas de violência doméstica.
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Emília Lima é psicóloga e Clarinda Almeida, técnica de serviço social desta instituição que funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano, numa perspetiva de ser “um espaço entre vidas”.
“Nesta casa, que tentamos aproximar-nos o mais possível do dia-a-dia normal de uma família, queremos dar as condições de segurança e o espaço para refazer a sua vida, mas considerando sempre que este é um espaço entre vidas, há que repensar e reconstruir uma vida para a frente”, aponta a psicóloga.
Esta valência do Centro Social e Paroquial da Vera-Cruz tem capacidade para acolher 16 mulheres em segurança e nestes 13 anos de existência passaram por lá 103 mulheres.
As mulheres que ali chegam vão por vontade própria depois de todo um processo de pedido de ajuda. A psicóloga já viu muitas situações de vitimações longas, 20 ou 30 anos de relação, mas também de mulheres bastante jovens, com 18 ou 20 anos, vitimação recentes.
“Nestas mulheres jovens surge muitas vezes a violência de parte a parte: há um problema na relação, não se consegue resolver e parte-se para a violência. Como o homem normalmente é mais forte fisicamente a mulher é que sofre.
Chegam-nos mulheres desanimadas e com raiva; sem poder de decisão e sem ter autonomia nas suas vidas”, afirma Emília Lima que ali trabalha há 13 anos.
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“Uma das histórias que me recordo foi de uma senhora que referia que o companheiro, sempre que passava por ela, lhe cuspia em cima… Este mau trato não se encontra com frequência, mas é muito representativo”
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Segundo a psicóloga os agressores partem para a violência por vários motivos como “descontrolo de emoções e conflitos, não sabendo negociar na relação”, ou a imposição da sua vontade, “associada ao poder masculino”, bem como o sentimento de posse perante a mulher que se pode agravar no caso de adições como o álcool ou as drogas.
Entrar e permanecer numa casa abrigo “pode ser um choque” para estas mulheres mas as técnicas apontam que apenas se trata de uma fase para seguir o caminho.
Esse é o caminho da autonomia, da superação e independência a vários níveis. Para isso uma primeira conversa é sempre um momento importante.
“Criar empatia num primeiro acolhimento torna-se muito importante para criar um laço de confiança connosco. Depois todo o caminho de ir aos próprios serviços, quer de emprego ou de segurança social, por exemplo, acaba por ser um aumento de auto estima para estas mulheres porque passam a ser mentoras do seu projeto de vida”, explica Clarinda Almeida.
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Quando as vítimas chegam acompanhadas pelos filhos ainda se torna mais difícil todo o acolhimento, a gestão de sentimentos, emoções e regras.
“Temos já bebés que nasceram cá, outros que vieram pequeninos, temos adolescentes e jovens que passaram por cá; aqui na casa não desresponsabilizamos as mães, elas é que gerem toda a vida com os seus filhos.
Há um quarto para cada família, porque se entende que é o mínimo de privacidade e cabe à mãe gerir as regras com os seus filhos e com as regras da casa – horários para refeições, silêncios e espaços”, defende a psicóloga.
Assim entendem que pode ser um meio de autonomia também para estas mulheres que estavam habituadas a não tomar decisões, por exemplo.
“Muitas destas crianças que aqui chegam estavam habituadas a que só o pai é que mandava, aqui tenta-se reverter essa situação e a mãe tem de voltar a mandar, esta redefinição do papel da mãe que por vezes temos de apoiar”, explica Emília Lima.
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A casa de abrigo proporciona ainda atividades para devolver a autoestima e a autonomia a quem já se esqueceu do que é “ser elogiada”, por exemplo.
“Há mulheres que chegam muito mal cuidadas, começam a ter interação social e tudo isso é processo de aumento de auto estima; reforçando competências e sucessos”, refere a técnica de serviço social.
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“Recebemos uma jovem mãe de 19 anos, grávida de gémeos, numa situação de violência doméstica por parte do seu pai. Era uma rapariga muito desequilibrada emocionalmente. Foi um caso muito difícil e longo para resolver mas com sucesso porque neste momento está muito bem, reconstruiu a sua vida, é autónoma, tem a sua casa e uma relação de conjugalidade definitiva”.
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Sendo uma valência do centro social e paroquial da Vera-Cruz a casa acolhe mulheres de várias confissões religiosas e só nos momentos de festa pode haver uma visita especial.
“Há visita da direção do centro social quando é pedido, e o nosso pároco é o presidente do centro, daí a sua visita onde há sempre tempo para uma palavra. Depois no tempo da Páscoa pode haver a visita pascal, mas só mediante o grupo de mulheres que está na casa por essa altura e se for de sua vontade”, explica a psicóloga.
Uma casa abrigo em Aveiro que prima pela segurança das utentes e investe na sua autonomia mas não esquece a prevenção necessária nestes assuntos.
“A casa abrigo é o fim de linha, entendemos que há todo um trabalho muito importante a fazer, seja em termos de prevenção, como por exemplo a partir dos jovens e das crianças nas escolas; seja no atendimento e apoio a estas situações que não passam pelo acolhimento na casa abrigo.
Creio que devíamos pensar todos em trabalhar mais em rede para que se veja cada vez menos estes casos que ainda são excessivamente comuns na nossa sociedade”, conclui Emília Lima.
Reportagem: Sónia Neves
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