A Rádio tem futuro?

Manuel Pinto, Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho

É com muito gosto que correspondo ao convite da Ecclesia para escrever a propósito dos 75 anos de vida da Rádio Renascença. Devo dizer que não tenho qualquer credencial específica que me habilite a falar desta Rádio, a não ser uma já razoável experiência de vida e uma proximidade que não foi sempre linear.

A entrada do primeiro aparelho de rádio na casa de meus pais aconteceu quando eu teria os meus oito ou nove anos. Um emigrante na Venezuela quis desfazer-se de um aparelho velho e o meu pai comprou-o. Eu e os meus irmãos fizemos dele gato sapato, explorando, nas horas em que ficávamos entregues a nós próprios, não apenas os canais de onda média e onda curta, mas a própria caixa, arranjando modo de desmontar a tampa de trás. Naqueles princípios dos anos 60, longe de televisões e outras formas de acesso ao mundo global, aquilo era uma pequena maravilha carregada de mistérios. Desde logo o mistério que consistia em saber como entrava ali e como saía a voz das pessoas e a música. Nesses tempos inaugurais de exploração mediática do mundo, a Renascença era presença obrigatória lá em casa: se não fosse por iniciativa dos mais pequenos, era por influência da autoridade paterna.

Durante bastantes anos entendi que esta estação e esta empresa se havia tornado uma emissora comercial como as outras, apenas salpicada de uns programas religiosos. Um dia tive mesmo um pequeno desaguisado com um dos seus responsáveis, por me ter atrevido a dizer isso mesmo num encontro de cristãos. Hoje esse aspeto, ligado com a identidade católica dos canais, continua a preocupar-me, mas não serei talvez tão contundente na crítica, consciente que estou da dificuldade de manter de pé um projeto desta envergadura e com esta diversidade. De resto, com o panorama mediático que se tem vindo a configurar, cada vez mais submetido à lógica mercantil ou então enleado nos debates sobre o controlo partidário e governamental, é salutar a existência de uma voz autónoma, que não abdica da sua identidade nem dos valores fundamentais a que se referencia. Mais ainda quando a isso procura juntar a capacidade de inovação e de resposta aos novos desafios do digital. Foi por tudo isto que o Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, a que estou ligado, se associou, já em setembro último, ao Conselho de Gerência da r/com, para evocar em Braga estas bodas de diamante. Foi um primeiro momento em que a Universidade e a Empresa deram as mãos, valorizando-se reciprocamente.

Mas será que a rádio tem futuro? Qual poderá ser o seu lugar, num tempo em que o mono-média dá cada vez mais lugar ao multimédia? A resposta a tais perguntas não é nem fácil nem linear. Em anos recentes, acompanhei de perto quer a elaboração de uma tese de doutoramento sobre este assunto quer um estudo de pós-doutoramento de uma académica brasileira nesta área. Nos dois casos fiquei com a perceção de que, qualquer que seja o seu futuro, a rádio tem futuro. Mesmo que com características e formatos que hoje não conhecemos ainda. Combinando-se com outras linguagens e outros media? Abrindo-se mais àquele sonho que Brecht teve, em 1926, de um meio não apenas de distribuição, mas de comunicação, que fale, mas também escute, que leve mensagens, mas também dê voz às pessoas? Que lugar poderá ter aquela sugestão de McLuhan da rádio como meio capaz de resgatar o sentido de comunidade? Enfim, este é um leque de preocupações que mostram que projetar o futuro da rádio está longe de ser um mero problema de adaptação ou inovação tecnológica e que, também por isso mesmo, não depende apenas dos seus profissionais ou dos engenheiros. A própria sociedade, nós todos precisamos de redescobrir o valor da interioridade, da ressonância e da escuta, o que só se faz com o silêncio e com tempos de rutura com a profusão encandeadora das imagens e dos ruídos do ambiente.

Se me é permitido formular um desejo, eu gostava de ver (e ouvir) a Renascença explorar estas pistas, tirando o máximo partido das tecnologias mais avançadas. Se é verdade que “só se vê bem com o coração”, como apontou Saint-Exupéry, os seus canais, cada um a seu modo, poderiam através da palavra e da música, procurar tocar mais o coração das pessoas, de modo a que não só oiçam melhor mas vejam também melhor e mais longe. Isso faz-nos cada vez mais falta.

Manuel Pinto, CECS – Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade/Communication & Society Research Centre, Universidade do Minho

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