Homilia do arcebispo de Braga na Eucaristia de encerramento da III Semana do Consagrado

Consagrados na Palavra

“A total renúncia a si mesmo significa aceitar com um sorriso o que Ele dá e o que Ele tira… Dar sempre o que é pedido, quando serve o teu bom nome ou a tua saúde, significa total renúncia si mesmo; então, serás livre!”

 

Estimados consagrados e consagradas, partindo deste pensamento da Beata Madre Teresa de Calcutá, nesta celebração Arquidiocesana, em Dia do Consagrado, temos diante de nós a mensagem preparada para todo o país – “A vida consagrada no coração da Evangelização” – e a aplicação que a CIRP Diocesana deu a este lema situando-o no âmbito do programa pastoral: “Maria portadora da Palavra que nos alimenta”.

Posto isto, quero partilhar três ideias de base para esta reflexão a partir da Liturgia da Palavra.

 

1. Em primeiro lugar, o gesto milagroso de Jesus no evangelho relembra que a Igreja vive exclusivamente para evangelizar, ou seja, para anunciar o Deus-Amor. Uma evangelização que engloba diversos métodos e pessoas, nomeadamente aquelas que se consagram totalmente a Deus mediante um carisma específico.

Em segundo lugar, Paulo na Carta aos Coríntios afirma que não pode haver evangelização sem plena assimilação da Palavra de Deus, que continua a ser linguagem viva dum Cristo Vivo. É interessante ouvir a contundência das suas palavras, ao afirmar “Ai de mim se não evangelizar!”, como que se a sua existência dependesse disso.

E em terceiro lugar, o testemunho de Job na primeira leitura comprova que a nossa vida é confrontada com inúmeras contrariedades, nas quais a nossa fidelidade à Palavra de Deus é colocada à prova, para a vivermos e testemunharmos.

 

2. Perante estas interpelações, Maria é sem dúvida o grande ícone desta fidelidade à Palavra de Deus. Hoje Ela continua a ser a aurora da nova evangelização, não só pela força e estímulo que nos concede, mas também pela pedagogia com que nos ensina a colocar a Boa Nova na vida quotidiana.

Nesta Igreja Arquidiocesana que pretende reevangelizar-se para evangelizar um mundo que cresce na incredulidade, e diante do impulso da mulher que quis ser a primeira discípula, gostaria que os Consagrados marcassem a sua vida por duas atitudes nesta era da nova evangelização.

 

3. O passado mostrou-nos a vida religiosa como uma fuga mundi para se encerrar nos conventos ou nas suas obras apostólicas. Tudo se revestia dum modo de “abrir as portas” para que as pessoas entrassem.

Hoje, esta atitude continua! Só que, penso, já não basta esperar e receber quem procura as instituições e que sabem que elas servem bem. Urge sair e ir ao encontro do real das pessoas. Conhecer o mundo sem se identificar com ele. Outrora era tudo igual e as vidas coincidiam nas regras de formação e conduta. Hoje, o mundo é muito diferente. As pessoas que nos procuram carregam uma vida que nem sempre conhecemos, mesmo que conversem muito connosco.

Para conhecer o mundo e colocar aí um carisma dum fundador é preciso encontrar-se com uma pluralidade de questões e assuntos. Não podemos fugir à realidade que nos envolve. Por vezes, interrogo-me se uma das causas da diminuição das vocações não seja este pouco conhecimento do mundo, fixando-nos num carisma secreto e fechado. A nossa vida é demasiado estranha para muita gente e poucos percebem a normalidade do infinito. O mundo espera por nós! Neste sentido, recordo agora aquelas palavras do saudoso Beato João Paulo II:

Precisamos de santos que vivam no mundo,

que não tenham medo de viver no mundo,

que saboreiem as coisas boas do mundo,

que se santifiquem no mundo,

mas que não sejam mundanos!

Na verdade, não precisamos de ser mundanos, mas também nunca podemos renunciar ao nosso estatuto de ser “sinal de contradição” com coragem, tenacidade e alegria.

 

4. Se importa sair para conhecer sem se deixar confundir, penso que a Palavra nos conduz para uma aventura de sentido diverso àquele a que estamos habituados. Temos as nossas obras e graças a Deus que, regra geral, são tidas em consideração.

Todavia, parece-me ser necessário percorrer os caminhos das necessidades humanas atuais. Há corações que gritam problemas e que ninguém os escuta! Percorremos os caminhos que todos percorrem e nas respostas queremos ser os melhores. Insistimos e atividades tradicionais e esquecemos os novos desafios.

Urge criar uma maior sensibilidade e nunca esquecer que os fundadores foram pioneiros, como homens e mulheres de vanguarda, na ousadia em aproximar-se das dores do mundo da sua época.

As verdadeiras dores conhecem-se hoje quando optamos, a sério e de verdade, pelos mais pobres. Cristo é de todos e para todos. Soube gastar a vida por ricos e pobres. Porém, o seu coração estava mais próximo de quem sofria e necessitava. E podem ter a certeza que os gritos contemporâneos de Job continuam a ouvir-se cada vez mais ao nosso lado.

Com isto pergunto: não seremos capazes de escutar os homens e mulheres do nosso tempo a dizer que os seus dias se “esvanecem sem esperança” e que os seus “olhos nunca mais verão a felicidade”?

Portanto, à semelhança de Paulo resta-nos “fazer tudo para todos”, sabendo que “todos procuram” Cristo, mesmo que inconscientemente. É esta novidade que a vida religiosa deve readquirir! A mensagem de Cristo, como Boa Nova, não envelhece nem passa de moda. Nós é que não permitimos que a Palavra gere iniciativas impensáveis à primeira vista, mas que o Espírito – nesta dimensão carismática da Igreja – mostra que há outras respostas a oferecer.

Para terminar, quero publicamente agradecer e louvar o vosso trabalho apostólico, tantas vezes silencioso aos olhos dos homens mas enaltecido aos olhos de Deus! E como vosso Arcebispo apenas vos peço que, à semelhança de Maria, vos consagreis na Palavra de Deus! (Verbum Domini, 83)

E porquê? Porque, como dizia a Beata Madre Teresa de Calcutá, “a total renúncia a si mesmo significa aceitar com um sorriso o que Deus dá e o que Deus tira…”. Se isso acontecer, “então serás livre!”

5 de fevereiro de 2012, Cripta do Sameiro.

D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga

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