Presépio como um cadilho de culturas

Gonçalo Cardoso, diretor do MASE

“Toda a figuração é, por seu turno, realização de cultura, no duplo sentido de que produz constantemente culturas e que é resultado de culturas. Ou seja, a ativida-de cultural do ser humano é, precisamente, essa atividade de figuração de si mesmo e do seu mundo, no conjunto dos símbolos que constituem uma cultura e que resultam também de uma Cultura” (1)

A figuração do presépio pode refletir muito da matriz cultural do artista, da sociedade que o executa, que o procura e divulga. Podemos com isso assegurar que ele é na verdade um espelho da sociedade, sendo por muitos considerado um autêntico Evangelho traduzido em todas as línguas do mundo.

No século II surgiram figurações da imagem da Virgem com o Menino nas toscas pinturas feitas pelos primeiros cristãos nos seus abrigos. No entanto, foram os evangelhos apócrifos que adicionaram novos elementos que condicionam e influenciam a conceção do presépio.

Ao longo dos tempos surgiram, paulatinamente, mais pormenores que o enriqueceram do ponto de vista iconográfico. Foram-se sobrepondo elementos sagrados e profanos, aparecendo a Sagrada Família com personagens vindas do povo, com os seus trajes contemporâneos e gracejos.

O ano de 1223 é considerado fundamental para a história do presépio. São Francisco de Assis fez, numa gruta em Greccio, Itália, a reconstituição do nascimento do Redentor em Belém. Para isso, utilizou bonecos de palha em tamanho natural e animais vivos. Esta iniciativa tornou-o o “pai dos presépios”. Os frades franciscanos imitaram assim o seu fundador nas igrejas e conventos abertos por toda a Europa.

No século XVI estavam já bastante difundidos os presépios com grandes imagens de madeira ou terracota. A representação escultórica do Menino Jesus isolado foi popularizada também neste século com a criação da Associação do Menino Jesus, pela carmelita francesa, Irmã Margarida do Santíssimo Sacramento.

A origem das natividades portuguesas executadas em barro é um pouco desconhecida, apesar desta tradição estar documentada no século XVI. Nas igrejas, muitas vezes recorria-se às imagens de culto que eram vestidas. Os presépios eram montados sazonalmente e dependiam muito da imaginação. Quase sempre associam os presépios às igrejas e aos conventos, mas é possível encontrar referências a encomendas de presépios por particulares.

Os presépios portugueses atingiram expressão mais sublime no século XVIII, sendo uma das manifestações mais características da nossa religiosidade. Destacam-se os presépios de Machado de Castro, António Ferreira, Barros Laborão, entre outros.

Também neste século houve uma grande explosão de presépios na América Latina, fruto das imensas atividades comerciais com a Europa. Levados pelos missionários jesuítas, os povos locais aperfeiçoavam os seus presépios à sua imagem e semelhança, com algumas nuances, representando um Natal bem mais alegre e festivo. O Natal é visto como se fosse uma celebração popular.

Quem não conhece os famosos presépios do Peru, coloridos, onde os homens usam os seus sombreros? A profusão de representações pode ir desde uma cabana até uma igreja barroca, contidas em pequenas cabaças, lembrando oratórios com as suas portas, à semelhança dos célebres altares portáteis levados pelos missionários para as suas missões.

O presépio é alvo de várias assimilações nos diversos pontos geográficos do mundo. A diversidade e reciprocidade de perspetivas e assimilações vai melhorar cada presépio e a partir dele projetar o valor da diferença que enriquece a humanidade. Efetivamente, a encarnação de Deus aconteceu para todos os povos, do Oriente ao Ocidente, sendo por isso passível de apreender figurações segundo os variados tipos fisionómicos.

Gonçalo Cardoso, diretor do MASE – Missionários da Consolata – Fátima

NOTA:

(1) DUQUE, João (2004) – Cultura contemporânea e cristianismo, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa

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