Falar verdade sobre a educação…

Jorge Cotovio, secretário-geral da APEC

Finalmente, um ministro da educação diz a verdade! Nuno Crato considera que “é altura de se falar verdade e começar a ver que tudo isto tem um efeito brutal sobre o contribuinte”. Ao ouvirmos este comentário de um governante desconfiamos que até agora se ocultava propositadamente a verdade ou, em última análise, até se mentia… (E às tantas estou mesmo a dizer… “a verdade”.)

Mas esta frase do ministro tem um tom economicista. Também não é de estranhar, claro, nos tempos que correm. E aqui é que reside o busílis da questão, que nos tem arrastado e agastado nas últimas (?) décadas. Um “bom” ministro da educação teria antes dito que “é altura de se falar verdade e começar a ver que tudo isto tem um efeito brutal sobre o cidadão e a sociedade”. Porque todos nós somos mais do que meros contribuintes…

Pois é. Tem-nos faltado “educação”. Temos sido “mal educados”. O problema educacional português não reside – de forma alguma! – em desdobrarmos ou não Educação Visual e Tecnológica, em retirarmos (ou substituirmos) mais uma ou outra disciplina, em termos mais ou menos computadores na sala de aula, em requalificarmos mais ou menos escolas. Se assim fosse, teríamos melhor educação (ou seja melhores resultados académicos comparativamente com outros países e, sobretudo, mais humanidade, mais princípios, na sociedade) desde que tivemos computadores, quadros interativos, novas áreas curriculares de formação cívica, estudo acompanhado, área de projeto, muito dinheiro para projetos e parcerias, aulas com dois professores e escolas estatais luxuosas em muitos lados.

O problema educacional português é “estrutural”, isto é, enferma de males que residem na nossa forma de ser e estar, cimentados ao longo de séculos. Além de sermos mal educados – porque nunca se investiu seriamente na educação – somos pouco obedientes. Não têm as nossas referências cristãs, ao longo dos séculos, feito apelo mais ou menos constante à cultura da austeridade, da poupança, do trabalho, da humildade, da família, da ética profissional, do serviço ao próximo, da humanidade das relações, da espiritualidade? E o que temos feito, designadamente na escola? As políticas de educação (e os agentes educativos) têm criado a cultura do facilitismo, da permissividade, do imediatismo, da superficialidade, para os alunos, e do esbanjamento de recursos, do mercenarismo, do laicismo para a administração escolar. Esta mistura foi, como (não) se esperava, “explosiva”. E batemos ”no fundo”. No fundo, temos de mudar radicalmente de paradigma, custe o que custar. Temos não só de poupar papel e energia e professores e disciplinas, como avisa Nuno Crato, mas sobretudo, mudar a nossa forma de sentirmos e lermos a vida. A vida não se esgota na curta passagem terrena. Ela continua e será potenciada quando alguns (ainda) pensam que “tudo acabou”. Como tal, não temos de queimar etapas para a digerir rapidamente, como se ela desaparecesse num ápice.

Pelo contrário, temos de a saborear, dar valor aos pequenos gestos, aos acontecimentos simples. Temos de ir à essência das coisas. Como a vida é “eterna” temos (muito) tempo para a viver; nesta perspetiva, podemos estar mais calmos, olharmos com mais atenção o que nos rodeia, cuidarmos mais da natureza, atendermos mais às pessoas que nos são próximas.

Não, não podemos continuar a esgotar o prazer no sensualismo desregulado, idolatrado pelo sexo, pela moda, pelo luxo, pelo dinheiro, pelo poder, pela ganância, pela inveja. Não, não podemos continuar a desperdiçar recursos porque além de eles serem cada vez mais escassos, geram injustiças. Temos de “tirar partido” do imenso recurso que nós somos, como “pessoas”, seres criados para a “relação”, para o amor.

Temos que fruir a vida de outra forma. E enquanto não assentarmos neste paradigma desenhado no Evangelho, não nos safamos. Enquanto não descobrirmos a divindade que existe dentro de nós e nos impele ao amor, não saímos da crise, nem com carradas de apoios do FMI ou perdões da nossa “dívida soberana”.

Educar é “tirar de dentro”, “extrair”. É ajudar a criança, o jovem, o adulto a aproveitar e saber gerir da melhor forma os recursos, os talentos que encerra. Incumbe à família, incumbe à escola, incumbe à sociedade criar condições para que todas as dimensões da pessoa se desenvolvam. Todas. Também a da ética, também a da espiritualidade/ religiosidade. E são estas que estão a fazer muita falta nos tempos que correm…

Oxalá o senhor ministro tenha tempo para pensar e saiba valorizar a “verdade” na educação, no conselho de ministros e na sociedade. E não se esqueça da “espiritualidade” da educação…

Jorge Cotovio, secretário-geral da APEC – Associação Portuguesa de Escolas Católicas

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Agência ECCLESIA

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