Acção Evangelizadora da Igreja em Portugal

D. António Marcelino

De Bento XVI (Roma 2007) a Bento XVI (Fátima 2010)

1, Não é fácil, nem normal, avaliar o grau de evolução de uma acção concreta com base num período de tempo tão breve e exíguo. A reflexão enunciada no título desta opinião publicitada, pode, porém, apontar para indicativos de ontem e de hoje, que ajudem a ver caminhos abertos ou para abrir.

O encontro quinquenal regular dos bispos com o Papa é precedido de informações sobre a Igreja no país, que permitem orientar a comunicação do Sumo Pontífice para os problemas pastorais em causa que mais preocupam os bispos. Se João Paulo II falou da atenção a dar à fé pouco esclarecida dos nossos cristãos e Bento XVI na necessidade de uma iniciação cristã cuidada e alargada, foi porque essas eram e são as preocupações dos bispos portugueses que lhes chegaram. O apoio das palavras do Papa comporta sempre um apelo às comunidades cristãs, na sua maioria desconhecedoras das preocupações do seus pastores, para que estejam informadas e participem.

 

2. O desafio pastoral da evangelização, tarefa essencial e permanente da Igreja, ganhou contornos mais acentuados com o crescimento da indiferença religiosa, a emergência da modernidade, a dificuldade de os cristãos se situarem activos num contexto de pluralismo, a organização da vida influenciada pelo laicismo infiltrado nos dinamismos sociais mais activos, a instabilidade de instituições sociais antes indiscutíveis, como a família…Mas o desafio é ainda mais forte, quando se verifica que, mesmo em pessoas e ambientes, visivelmente marcados pela indiferença e abandono da prática dominical e sacramental, subsiste um tradiciona-lismo religioso arreigado, que, para muitos que o vivem, dispensa uma formação séria e que, emergindo em momentos determinados, cria problemas e dificulta a renovação pastoral que se impõe.

O esforço de formação, para quem pensa não precisar dela, e que se impõe logo a partir de primeira iniciação para a vida cristã e depois de uma catequese contínua, não necessariamente orientada para os sacramentos, mas para uma vivência segundo Cristo, encontra, num contexto de cristandade, muitas dificuldades.

3. Há décadas atrás, a nível geral da Igreja em Portugal, pouco se falava de catecumenato, iniciação cristã, catequese de adultos, formação alargada a todos e ao longo da vida. Havia, por todo o país, algumas experiências e tentativas, mas sempre reduzidas, muito localizadas e pouco enraizadas.

O clima pacífico de cristandade, a primeira transmissão da fé na família, a procura ainda generalizada dos sacramentos tradicionais, as missas dominicais a encherem os templos, a censura pública local a comportamentos religiosos e familiares estranhos ao meio, o pouco confronto com outros ambientes e culturas, o povo, normalmente submisso nas coisas religiosas, sempre que não lhe tocassem em tradições locais arreigadas, eram situações generalizadas que não davam preocupações à maioria dos pastores locais. Porém, com a implementação participativa do regime democrático, a emigração alargada, a liberalização das relações pessoais e sociais, o ensino escolar generalizado, os meios de comunicação acessíveis a todos, o confronto diário com outras culturas e expressões religiosas, foram-se sedimentando novos critérios de julgar, novos valores e modelos de vida, novos princípios de acção e novas fontes de inspiração e influência que passaram a determinar os comportamentos habituais de toda a gente e, também, dos cristãos desarmados de convicções enraizadas, por falta de fé esclarecida.

Paulo VI alertara a Igreja (EN 19) para este fenómeno. O Concilio fez abrir os olhos a um mundo novo que não podia ser indiferente à acção evangelizadora. Os sínodos dos bispos pediram uma formação cristã de sentido catecumenal. Porém, em Portugal, não foram muitos os que se aperceberam destes avisos e apelos, por parecer não nos diziam respeito. Ficou, no entanto, bem claro, que quando se acordou para a realidade, não havia mais lugar para atitudes de condenação, nem de rotina instalada na defesa de uma pastoral de manutenção. Entrou-se em perda progressiva e não era esse o caminho de uma acção renovadora. Este teria de passar, doravante e necessariamente, por uma criatividade sensata, apoiada na sensibilidade à realidade e seu conhecimento objectivo, na leitura inteligente dos “sinais dos tempos”, na reflexão teológica alargada e num trabalho em comum, dito de cariz sinodal.

 

4. Ora, é isto que os bispos portugueses estão agora procurando, como um dever pastoral e uma exigência de acção, inovadora por força das urgências já antes sentidas e depois sublinhadas por Bento XVI, e pela verificação, iniludível e crescente, da perda de significado e de influência que a Igreja parece ter hoje para muitos cristãos e, até, para diversos sectores influentes da sociedade portuguesa.

Fora, talvez, muito individual e parcelada a caminhada antes já feita. Afigura-se agora que os problemas se generalizaram e, por isso, se impõe uma caminhada programada e em comunhão. Esta já se vinha operando, a nível nacional, em alguns sectores, geralmente aceites, como o Catecismo Nacional, os dez anos de catequese, os Programas de Educação Moral e Religiosa Católica, a qualificação dos catequistas e dos professores, o apoio às Escolas Católicas, a realização das Semanas Nacionais e outros.

 

5. No momento presente a Conferência Episcopal Portuguesa empenha-se, sempre em vista da sua acção evangelizadora, em “Repensar a pastoral da Igreja em Portugal”; na procura, após sondagem a todas as dioceses, de um plano nacional da catequese dos adultos e do catecumenato, a sério, em ordem aos sacramentos de iniciação cristã; na pastoral juvenil e no maior acompanhamento dos movimentos laicais; na integração das forças existentes, rumo a uma acção pastoral de conjunto.

Isto, como é óbvio, para além do esforço, iniciativas e trabalhos de cada diocese, dos diversos movimentos laicais, antigos e modernos, e da acção dos institutos de vida consagrada, de religiosos e de leigos.

 

O que se pode esperar de toda esta movimentação?

Embora não se veja muito, não se pode dizer, com verdade, que está tudo na mesma.

Certamente vão continuar iniciativas em curso, não como acções ocasionais, mas devidamente marcadas pelo objectivo evangelizador. Serão, porém, mais demorados os resultados a médio e longo prazo, por exigirem adequação das estruturas, renovação das mentalidades, a começar pelos mais responsáveis, crescimento da capacidade de trabalho em conjunto, reflectido, programado, executado e avaliado, melhor aproveitamento dos recursos existentes, pessoais e institucionais, independentemente da idade e da condição canónica das pessoas e das instituições, conversão a um projecto comum, com prioridades definidas e capacidade de adaptação local, uso criterioso de novos meios e instrumentos de análise e de comunicação…

Algumas acções, nesta ordem, me merecem maior atenção e destaque: a realização de sínodos diocesanos, bem preparados e assumidos pelo conjunto da Igreja Diocesana; a formação cuidada dos novos padres para que sejam, hoje e aqui, pastores à maneira de Cristo e dos Apóstolos, padres a sério num mundo diferente, que assumiu a sua legítima autonomia, padres sem lampejos, claros ou disfarçados, de clericalismo e autoritarismo; a atenção aos leigos, vocacionados para serem cristãos no mundo, fermento activo de vida e testemunhas de um novo rosto de Igreja; apoio lúcido às instituições mais influentes na vida das pessoas e na consistência da sociedade, como a família, a escola, o mundo do trabalho, o mundo da cultura e os jovens.

 

6. É por demais claro que a Igreja, em Portugal, ao repensar a sua vida e acção, se deve dispor, de uma vez por todas, no seu conjunto e de modo consequente, a seguir as orientações conciliares e a ser “escola de comunhão”, sem nostalgias do passado, nem complexos do presente, sem toques de apologia interna e de apologética fácil.

Por mais pressões que existam no terreno o caminho da Igreja, tal como o de Cristo, são as pessoas. Por isso será sempre uma Igreja fiel a Cristo e aos homens e mulheres de hoje, atenta e solidária com as suas alegrias e preocupações. Uma Igreja iluminada pela fé e visivelmente incarnada na vida concreta. Uma Igreja corajosa a anunciar o que lhe é próprio, Jesus Cristo e a sua mensagem de verdade e de amor. Uma Igreja aberta ao legítimo pluralismo, capaz de escuta e de apreço de todos. Uma Igreja, enfim, agora disposta a não tirar partido efémero das grandes manifestações ao Papa, mas a recolher dele o testemunho corajoso do seu compromisso com a Missão.

António Marcelino, Bispo de Aveiro, emérito

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