Homilia do Bispo de Aveiro na Celebração da Paixão do Senhor

“Fortalece, Senhor, os que acreditam na Páscoa”

1.A solene Acção litúrgica da Paixão do Senhor nesta tarde de Sexta-feira Santa coloca-nos diante do acontecimento central da história da salvação da humanidade.

Diante de nós deparamo-nos com um Messias sofredor, que renuncia a todos os triunfalismos fáceis e imediatos que uma presumida realeza humana significaria e que a vontade dos mais próximos esperava.

O Messias, Rei esperado pela multidão, que no domingo passado aclamava Jesus na sua entrada triunfal em Jerusalém, é agora o Servo acusado e humilhado, o Justo traído e negado e o Inocente condenado e abandonado.

 É a partir deste acontecimento da morte e ressurreição de Cristo que se iluminam todos os acontecimentos da história de salvação, se compreendem os sofrimentos das vítimas inocentes ao longo do tempo e as tribulações da história da humanidade.

2. A palavra de Deus, hoje proclamada, ajuda-nos a ler em chave pascal este acontecimento e a fazer dele luz que brilhe no horizonte dos acontecimentos de cada tempo.

Na palavra de Isaías, o Servo sofredor “entregou a sua vida à morte e foi contado entre os malfeitores, tomou sobre si as culpas das multidões e intercedeu pelos pecadores” (  Is 53, 12).

No dizer da Carta aos Hebreus, este Servo Sofredor, “Jesus, o Filho de Deus, aprendeu a obediência no sofrimento e tornou-se para cada um de nós, causa de salvação eterna” (cf Hebr 4, 14-16; 5, 7-9).

Por seu lado o texto do Evangelho mostra-nos que na Paixão do Senhor se concentraram todos os desvios da humanidade: a traição de um discípulo e amigo que o entrega a troco de dinheiro; a dispersão assustada dos discípulos que fogem e O abandonam; a mentira dos testemunhos falsos, a ambiguidade perversa dos objectivos, a perplexidade e a hesitação de quem julga; a pressão e o constrangimento da multidão amotinada, o silêncio cúmplice dos que tinham o dever de falar, a crueldade e a tortura na execução da pena, não respeitando a dignidade do condenado.

Olhemos o nosso mundo, não ignoremos os que estão dispostos a tudo por dinheiro e esquecem os valores maiores por oportunismo, ou a indiferença dos amigos na hora da provação, ou as incertezas da justiça humana, ou os assassínios de carácter nas praças públicas das multidões descontroladas.

Olhemos o nosso mundo de frente. São tantos, infelizmente, os dramas e os pecados que a todos nos entristecem e magoam e são tão numerosas e aviltantes as fraquezas que fazem parte da sociedade que queremos transformar!

Face aos dramas do mundo e à fragilidade humana vemos como continua a ser importante que Jesus Cristo, o Filho de Deus, tenha suportado e oferecido a sua vida toda, no amor, e que a generosidade da sua morte continue a ser o maior testemunho do amor de Deus por nós, pela Igreja e pelo mundo!

E se alcançarmos e envolvermos Jesus, o Servo Sofredor, e todos os nossos irmãos que sofrem num mesmo olhar, teremos aberto o nosso coração à luz da Páscoa, anunciando a morte do Senhor e proclamando a sua ressurreição, até que Ele venha.

Neste dia, a Igreja não celebra a Eucaristia. Prostramo-nos diante da cruz em adoração. A Ceia do Senhor, ontem celebrada, antecipa o Calvário e anuncia o sacrifício da Cruz, como entrega da vida de Jesus para nossa salvação.

 A dádiva do Corpo e Sangue de Cristo, na Última Ceia, não é diferente nem está separada da entrega de Cristo na Cruz. É um mesmo acto de amor a Deus, seu Pai, e de entrega redentora a nós, seus irmãos.

Esta atracção de Deus, vivemo-la na Eucaristia e na adoração da Cruz. Por isso compreendemos as palavras de Jesus: “Quando for elevado da terra atrairei todos a mim” (Jo 12, 32).

A luta entre o mal e a humanidade trava-se na Cruz e quem sai vencedora é a humanidade que, redimida na Cruz de Cristo, volta a deixar-se atrair por Deus.

O drama do Calvário é grande demais porque ali se decidiu o nosso destino.

Também nós somos chamados a beber do mesmo cálice vivendo e ensinando a sabedoria da cruz, como escrevia Paulo aos Coríntios: «frente às diversas sabedorias do mundo, eu prego Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos, mas para os que foram chamados Ele é poder de Deus e sabedoria de Deus » ( cf 1 Cor 1, 23-24).

3. Contemplemos e adoremos a Cruz do Senhor. Ela é, na Liturgia, um sinal de presença real da Paixão de Cristo.

Na Cruz, do lado trespassado do Senhor morto, S. João viu sair sangue e água; do olhar terno e materno de Maria, a Mãe dolorosa, ali presente, brota a serenidade da esperança e em João todos nós somos recebidos como seus filhos: «Mãe, eis aí o teu Filho; filho eis aí a tua Mãe».

A luz da Páscoa brilha já, para lá da penumbra da morte e da densidade do sofrimento, na adoração daquele Calvário silencioso, em que tudo foi consumado e no encontro com tantas pessoas que oferecem a vida a aliviar o sofrimento dos irmãos mais frágeis, inocentes e sacrificados do nosso tempo.

Ajoelhemos também diante de tantos irmãos e irmãs para quem a cruz da doença, do medo, da solidão, do desânimo ou da provação é hoje mais pesada.

Pensemos sobretudo naqueles a quem faltam cirineus com olhar de irmãos que com eles transportem a sua cruz.

A longa oração desta solene Acção Litúrgica da Paixão diz-nos que caminhos de dor não foram apenas os do Calvário de Jesus mas são também os caminhos de tantos calvários humanos que ao longo da vida tantos irmãos nossos percorrem.

Com Jesus, suspenso na tua Cruz, e sustentados no exemplo firme da sua Mãe, também nós rezamos, como criança que estende os braços para a sua mãe ou para o seu pai: «Pai nas tuas mãos, entrego o meu espírito».

«Faz-nos entrar, Senhor, no caminho pascal

No dinamismo de ressurreição

Que passa pelas dores de quem sofre e de quem faz sofrer

Que supera os limites e os pecados.

 

Fortalece, Senhor, os que acreditam na Páscoa,

Os que defendem a vida

Os que clamam e promovem a justiça

Os que repartem a misericórdia

E constroem a paz.»

São estes os verdadeiros adoradores da Cruz do Senhor, os indispensáveis cirineus da humanidade e os necessários profetas da Páscoa do nosso Redentor.

Sé de Aveiro, 2 de Abril de 2010

 

+António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro

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