Criar um lugar religioso

No acto de criação de uma igreja, o arquitecto deve ter bem presente que esta não é um fim em si mesma, nem um meio para a expressão solitária da sua vaidade, mas um instrumento que deve estar, desde o primeiro esboço, ao serviço da comunidade. Construir uma igreja não é compatível com a exaltação do ego e das certezas estéticas do seu autor, mas com um trabalho de enorme responsabilidade, que deve ser encarado do início ao fim com uma atitude de grande humildade.

Este tempo, normalmente irrepetível, deve ser um dos mais fortes e intensos da vida de uma comunidade, pois é uma oportunidade extraordinária para esta reflectir sobre a sua concepção de Igreja, aprofundar noções de liturgia e teologia, aumentar a comunhão entre os seus membros e de crescer na Fé, ou seja, enquanto se projecta o seu lado mais visível e exterior, também a sua vida interior é chamada a desenvolver-se significativamente, na busca de uma maior Fé, Esperança e Caridade.

A elaboração do programa de uma igreja, deve, por conseguinte, ser um processo participado e dialogado entre comunidade e arquitecto, para o que é necessário que se estabeleça entre todos uma relação de proximidade e confiança, e o arquitecto deve procurar conhecer e acompanhar de perto esta caminhada da comunidade da futura igreja, para que o edifício, depois de erguido, exprima a fé adulta da comunidade, e esta se reveja na sua nova casa.

Este foi o processo seguido pelo arquitecto austríaco Ottokar Uhl, experiente criador de espaços litúrgicos e profundo conhecedor da fé e liturgia inspiradas pelo Concílio Vaticano II, aquando da concepção da igreja de São Judas Tadeu, em Karlsruhe-Neuret, na Alemanha. Durante 10 anos, desde a data em que ganhou o concurso de arquitectura até à inauguração, envolveu-se num diálogo permanente com a comunidade, chamada a participar de forma activa e contributiva no processo criativo, tornando extremamente frutuoso o potencial catequético e pastoral associado a este processo, e conseguindo chegar deste modo a uma solução arquitectónica verdadeiramente edificadora da comunidade e por esta acolhida em espírito e verdade.

No entanto, nos últimos tempos, o maior esforço e atenção dos arquitectos tem-se dirigido quase exclusivamente para a criação de espaços de meditação, oração ou experimentação individual, em ambientes classificados como sagrados, místicos ou espirituais, inundados de luz poética e emocional, em detrimento das verdadeiras necessidades da comunidade. Uma igreja não é um templo, nem um espaço de meditação ou oração pessoal. Estas são importantes, mas quando Jesus queria rezar ao Pai, subia ao monte para orar na solidão, no quarto mais secreto (Mt 14, 23 e 6, 6).

Na celebração eucarística, como na última ceia, Jesus deseja ardentemente comer esta Páscoa connosco (Lc 22, 15). O que faz da igreja ecclesia, lugar onde os cristãos fazem a experiência de ser Igreja, comunidade de fé, encontrando-se aqui consigo mesma e toda ela com Deus. É o espaço em que comungam a presença de Cristo, que está com cada um em todos os momentos, mas de um modo especial com todos na liturgia, pois “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles” (Mt 18, 20).

Uma igreja bem concebida tem, finalmente, de contribuir para que a comunidade unifique a experiência da celebração da Eucaristia com o agir cristão quotidiano, tomando cada vez mais presente e consciente que o mundo inteiro é o seu santuário, que a santidade se cumpre no nosso quotidiano e que a missa na nossa vida diária é amar (Joseph Ratzinger, Introdução ao espírito da liturgia, 2001, pp. 41).

Para que tal aconteça, arquitecto e comunidade devem fundar o programa para a nova igreja em rocha firme, ou seja, em Cristo e nas Escrituras, mais do que em qualquer lei, regulamento, imagem ou tradição. Jesus não foi pessoa de deixar muitas obrigações ou dar muitas ordens, mas apenas um novo mandamento: “que vos ameis uns aos outros.” (Jo 13,34)

É este mandamento que, uma vez inspirado nas paredes, poderá expirar para a comunidade, para que esta, procurando aproximar-se cada vez mais de Deus, se aproxime mais e mais dos homens.

João Alves da Cunha, arquitecto

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Agência ECCLESIA

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