A igualdade como História cristã

No ciclo de conferências «Eis o Homem», António Matos Ferreira defende abertura ao que não se compreende nem aceita

O historiador António Matos Ferreira considera que a concretização da igualdade exige a renúncia aos bens e atitudes que dão segurança e estatuto, a disponibilidade para que todos tenham lugar à mesa, a partilha do que faz falta e o reconhecimento da imprescindibilidade do outro.

Para o docente universitário, a igualdade constrói-se através do “esforço – que é uma disciplina e uma espiritualidade – de nos abrirmos àquilo que não compreendemos e que não aceitamos”. “Não para nos tornarmos os mesmos e sem possibilidade de diferenciação – explica – mas para nos tornarmos iguais, isto é, parceiros de caminhada”, incluindo neste processo aqueles que “não têm nada para dar em troca”.

Na palestra que proferiu no ciclo de conferências “Eis o Homem”, organizado pela diocese do Porto, António Matos Ferreira começou por recordar o percurso da igualdade na história da humanidade.

Dirigindo-se aos presentes como “amigos e irmãos”, “condições que nos tornam iguais”, o director-adjunto do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica assinalou que a questão da igualdade coloca-se desde os “primórdios civilizacionais”, passando pela Lei que Deus entregou a Moisés

Quando formulada no âmbito da trilogia da Revolução Francesa, a igualdade afirma-se contra os direitos que decorriam da relação de parentesco. Aos privilégios assegurados pela hereditariedade contrapôs-se relação com a lei. Perante o ordenamento legislativo, todos os cidadãos são iguais.

A vertente jurídica não é a única que determina o debate sobre a igualdade. A questão inscreve-se nas relações e conflitos que se estabelecem na sociedade, sendo por isso um problema “de ordem cultural”.

As múltiplas aproximações por parte das ciências humanas são insuficientes para definir as raízes da igualdade e apontar as direcções que ela deve tomar para garantir a dignidade pessoal.

“A igualdade – defende António Matos Ferreira – é o resultado de uma relação que nos torna únicos e insubstituíveis”. Estas características estão presentes no ser humano devido ao reconhecimento “de uma alteridade não redutível a cada um de nós”, que “nos transcende enquanto realidade criadora da possibilidade da nossa própria existência”.

O trabalho, a loucura, a paz e a oração são alguns dos elementos fundamentais para a afirmação da igualdade que a Igreja aplicou na sua história, influenciando desta forma a apropriação que as sociedades ocidentais fizeram do conceito.

A importância do trabalho adquiriu maior relevo através da espiritualidade da vida monástica beneditina, consubstanciada na expressão «ora et labora». A acção de São João de Deus, por seu lado, permitiu a enunciação de uma nova ordem que passou pela integração dos excluídos, lembrando a importância que Jesus deu à inclusão daqueles que eram sociológica e religiosamente rejeitados.

No que diz respeito à luta contra a guerra, o historiador sublinhou o papel dos Papas do século XX, assinalando que a aspiração à paz contém dois elementos fundamentais para a instauração da igualdade: a aceitação e a capacidade de lidar com quem é considerado inimigo. A oração, por fim, permite que entre as diferentes tradições religiosas sobressaia um elemento comum: a relação com a transcendência, através da qual se permite que a realidade não se reduza aos interesses pessoais.

É o facto de a alteridade “nos chamar pelo nosso nome” – como sucedeu no Baptismo de Jesus – que nos torna iguais. António Matos Ferreira citou a parábola bíblica do “filho pródigo” para lembrar que a “natureza amorosa” de Deus revela o seu desejo de que todos tenham lugar na sua casa.

Ainda que a igualdade seja frequentemente reivindicada como uma conquista das sociedades modernas, a perspectiva cristã sublinha que ela “não é uma construção voluntarista determinada por um princípio que se impõe aos outros”.

António Matos Ferreira está convencido de que a essência da igualdade consiste em estar disponível para dar a vida, compromisso que, para o cristão, se alimenta da eucaristia, sacramento que evoca e actualiza a maior de todas as doações.

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