João Parente, Padre e… Numismata

Ser coleccionador de moedas é um hobby frequente, mas juntar cerca de 40 mil moedas romanas é uma tarefa hercúlea. O presbitério de Vila Real tem um enamorado pela numismática cuja paixão se transferiu para o nome: Pe. João das «Moedas».

Neste Ano Sacerdotal, a Agencia ECCLESIA foi conhecer esta faceta do padre coleccionador. Nascido na década de 30, numa data que diz muito aos portugueses (13 de Maio), o Pe. João Parente foi substituir um padre da diocese na região de Alijó e, durante uma conversa com “três rapazitos”, estes disseram-lhe que havia um castro numa localidade próxima onde apareciam “pacharricas”. Ao visualizar aquele achado do século IV, o jovem padre deu-lhes o dobro daquilo que os rapazes pediram: “cinco coroas por cada uma delas”.

Aquela compra foi o início de uma paixão. No Domingo seguinte foi novamente à terra do «tesouro». “Apareceram tantas pessoas com moedas que não tinha dinheiro suficiente para comprar aquilo tudo” – lamentou.

Com o intuito de colocar ordem na colecção e saber as datas verdadeiras das moedas, o Pe. João Parente comprou, em Londres, um “livro simples” sobre numismática romana. Posteriormente, adquiriu os melhores manuais desta arte. “Tive tanta sorte que, nos trinta anos em que me dediquei à numismática, apareceram-me moedas de todos os gostos e feitios” – confessou.

Neste domínio, tudo o que aparecesse na região de Trás-os-Montes “não deixava escapar nada”. O gosto pelas moedas era tanto que, “às vezes, ficava com dificuldades económicas”. E acentua: “juntei perto de 40 mil moedas romanas”. Seguidamente, começou a coleccionar moedas gregas, visigóticas, cartaginesas, ibéricas e luso-romanas. Fez um leque cronológico que ia do Ano 450 antes de Cristo (AC) até ao ano 702 depois de Cristo (DC). “Tinha uma moeda mandada cunhar por Pôncio Pilatos” – afirma com alguma emoção.

Era uma colecção tão extensa que “não sabia o que fazer a tanta moeda”. Nunca quis vender o fruto de milhares de horas de trabalho. No entanto conta que “o Banco de Portugal fez-me propostas para comprar a colecção”. Algumas autarquias e uma universidade também o sondaram para o nascimento do museu das moedas. “Sou natural de Vila Real e queria fazer o museu nesta cidade” – realça o numismata.

Depois dos “muitos problemas que tive com a Câmara de Vila Real”, esta restaurou uma casa e fez-se lá o museu onde estão “expostas 4 mil moedas (desde 450 AC até 702 DC)”. E acrescenta: “o catálogo desta selecção demorou 30 anos a fazer”. As restantes moedas – ao todo eram cerca de 40 mil – estão no acervo da instituição. “Umas são repetidas e outras estão estragadas”.

Com mais de 70 anos, actualmente, o Pe. João das «Moedas» é professor de Arqueologia da Universidade Sénior de Vila Real, mas não perdeu a paixão pelo hobby. Em casa arquiva “poucas dezenas para mostrar aos meus alunos” – disse.

Para conservar e limpar aquelas preciosidades com muitos séculos, o Pe. João Parente lamenta a morosidade e delicadeza do processo. “Há moedas que resistem aos ácidos e ficam boas, mas outras tinham que ser limpas com uma escova”. Depois de ser visível a leitura da moeda – “mesmo que ficassem com um bocadinho de verdete” – o coleccionador não lhe “tocava mais”.

As moedas de prata e ouro não necessitam de cuidados especiais. “Só lavar e mais nada”. Em relação aos objectos de bronze, a limpeza deverá ser “mais cuidadosa e com muito jeito”. “Foram milhares de horas” – realça. Das nove moedas de Alijó nasceu uma monumental colecção. É conhecido a nível nacional e internacional. Um dia enviaram-lhe uma carta de Viena (Áustria) com o seguinte endereço: Padre João das Moedas – Portugal. “A carta veio cá ter a casa” – salientou.

 

Paixão pela Arqueologia

Para além das moedas, o Pe. João Parente também gosta de arqueologia. “Algumas peças são do Paleolítico”. Numa visita a um colega com alguma idade, este sacerdote de Vila Real é surpreendido com um “machado do neolítico”. Após um pequeno diálogo sobre o achado arqueológico, o coleccionador recebeu um presente: “pode levá-lo”. A doação não foi fácil. “Não quero porque se tivesse uma coisa destas não a dava a ninguém”. Teve como resposta: “Pode levar porque esse objecto está aí há muitos anos à espera de alguém que aprecie”. (Risos)

Não sabe quanto investiu nas colecções, mas em “trabalho foi mais de trinta anos”. As poupanças “iam para as moedas e peças arqueológicas” – frisou. Nesta troca de dinheiro por dinheiro (risos), o Pe. João Parente conta um episódio: “Os meus colegas e sobrinhos riam-se de mim e diziam, com frequência, que eu ligava a coisas velhas e que não prestavam”.

Com “um temperamento próprio” e uma “paixão pelas coisas antigas”, o padre coleccionador lecciona aulas nesta área na Universidade Sénior daquela cidade. Só os verdadeiros apreciadores “é que compreendem o tempo passado junto das moedas”. Nestas tarefas não existem apenas vitórias. “Apanhei doenças devido ao pó das moedas” – confidenciou.

A exercer o seu múnus pastoral em Mondrões e Parada de Cunhos, o Padre João Parente garante que as “coisas essenciais na paróquia não perco”. Questionado se nunca se atrasou para uma missa por causa de uma moeda, o coleccionador deu uma gargalhada e foi lacónico. “Não… Às vezes levantava-me da cadeira mesmo no limite da hora”. (risada)

Os coleccionadores “perdem a noção do tempo”. E completa: “Às vezes estamos um dia ou um mês com a moeda”. Para aparecer o resultado final “temos de consultar muitos livros”. Tempos infinitos… No entanto, quando se encontra a decifração na folha mágica “lembro-me da parábola do Evangelho sobre o «Dracma Perdido»” – confessa.

Este hobby e esforço na recolha de objectos perdidos no tempo são reconhecidos pela população de Vila Real. Apesar deste sentimento de felicidade nota-se no padre coleccionador uma certa mágoa: “não foi reconhecido pela Câmara Municipal a quem fiz uma doação total”. E acrescenta: “não estou arrependido daquilo que fiz”.

Calcorreou os montes circundantes da região do Marão na busca de elementos arqueológicos. “Procurei gravuras rupestres e penedos com as mensagens dos nossos antepassados”. Como resultado deste palmilhar “fiz um livro sobre a arqueologia” naquela zona.

A idade não lhe tira a vontade de trabalhar. Como não pode andar pelos montes – “tive um problema numa anca” – o Pe. João Parente está a elaborar um livro sobre a idade média no distrito de Vila Real. “Gosto da história antiga e medieval” – afirma. A Torre do Tombo, em Lisboa, e o Arquivo Distrital de Braga são poisos frequentes deste sacerdote transmontano. As novas tecnologias não lhe são indiferentes. Não teve aulas de computador, mas “sei trabalhar um texto e colocar notas de rodapé”.

 

Amigo de Miguel Torga 

Para além do prazer pelas «coisas antigas», o Pe. João Parente também gostava de andar com a espingarda ao ombro e atirar uns tiros às perdizes. “Fui colega de Miguel Torga na caça”. E relata um episódio: “na poesia ele era melhor que eu, mas na caça isso não acontecia”.

O forte deste escritor de S. Martinho da Anta (Sabrosa) não era a pontaria. “Matava uma ou outra perdiz, mas não era grande especialista na caça”. Os dois parceiros percorreram muitos trilhos naquela região de Trás-os-Montes. Como o Pe. João Parente matava mais perdizes do que o escritor – “nunca me deu a oportunidade de partilhar com ele o produto da caça” -, este ficava “zangado e desaparecia”. (Risos.)

Os amigos comuns ajudavam na reconciliação destes dois transmontanos. “Às vezes – mal disposto – Miguel Torga maltratava-me e dizia que eu era assassino porque matava muitas perdizes”. Certo dia, o padre caçador perguntou-lhe: “O senhor doutor mata poucas porque não pode ou porque não quer?”. Apesar destes episódios, “admiro-o muito”.

Na paróquia de Mondrões há trinta e oito anos, este padre de Vila Real recorda a data de chegada àquela localidade e o encontro com uns homens sentados no muro do adro da igreja. Depois dos bons dias, perguntou-lhes se aquela zona tinha perdizes. Teve uma resposta afirmativa. Não perdeu tempo e foi à caça. “Matei nove perdizes” – disse. Os comentários não se fizeram esperar: “o padre matou tudo, o padre matou tudo…”. No domingo seguinte equipou-se novamente com o seu camuflado e foi à busca das perdizes. Não teve a sorte da primeira vez. Num diálogo com uma senhora – “não me conheceu porque parecia um tropa” –, esta disse-lhe que “existia muita caça na zona, mas passou lá o filho da… do padre e matou-as todas” (risada sonora).

 

Mais de 50 anos de sacerdócio

Em 1957, recebeu a ordenação sacerdotal. “Não estou nada arrependido da opção que fiz” – confessou. Teve muitas alegrias e “um ou dois problemas por causa das festas”, mas “sinto o carinho das pessoas”. Adaptou-se “bem” ao II Concílio do Vaticano e, actualmente é responsável pela Arte Sacra da diocese. A “maioria dos padres acata a minhas posições sobre o restauro das capelas” – afirma o Pe. João Parente. E conclui: “sou um padre que gosta de uma boa dose de humor”.

 

Luis Filipe Santos

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Agência ECCLESIA

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