Para uma ética partilhada

Que traz a fé a quem crê? Diga-se sem reticências: traz a esperança da vida mais forte que a morte, do amor mais forte que o ódio, de uma vida além desta vida

“Será ainda possível a um crente no Deus revelado por Jesus Cristo narrar a sua fé, dar razão a quem lhe pede contas da esperança que o habita, como o apóstolo Pedro convidava os seus contemporâneos a fazer na diáspora pagã do seu tempo? Que poderá, hoje, um cristão dizer sobre a presença de Deus na sua vida? Estará condenado à alternativa entre o silêncio e o recurso ao milagroso para refutar hipóteses desprovidas de qualquer fundamento, não só científico, mas também simplesmente racional? Será que o quotidiano de uma existência cristã, a fiel perseverança num caminho de constante conversão às exigências evangélicas, se tornou verdadeiramente mercadoria, nem sequer já compra­da num supermercado do religioso, no qual se impõe quem tem o mote mais sedutor ou o depoimento mais certificado?

Não, creio que é ainda possível encontrar palavras e gestos para articular uma linguagem cristã compreensível aos homens e às mulheres de hoje, capaz de os reunir no coração da sua vivência ordinária: é ainda possível dar conta de um vínculo vital com uma presença invisível, que os crentes chamam Deus. Sem dúvida, para tal revela-se doravante infrutífera, se é que não justamente impraticável, a via da exposição da doutrina e da demonstração dos dogmas; podemos, aliás, interrogar-nos se alguma vez a transmissão da fé passou apenas pela exposição de elaborações teológicas. Estas alimentaram, sem dúvida, o pensar e o agir, forneceram um precioso património de conhecimentos, permitiram «dar um nome» e uma articulação a movimentos do espírito, mas o conhecimento pessoal do Senhor Jesus, a adesão na liberdade e por amor à sua vida, mais do que ao seu ensinamento, passou sempre de pessoa para pessoa, de pais para filhos, apesar de todo o tipo de infidelidades e contradições, pela autenticidade e pela intensidade de uma vida decorrida, dia após dia, no cansativo, embora alegre, permanecer unido, «atado» – tal é o significado etimológico do termo «fé» em hebraico – a um Deus apreendido como Outro, embora dele se seja imagem, um Deus colocado longe, embora experimentado como próximo, um Deus sobretudo narrado, explicado por Jesus Cristo.”

As perguntas e a resposta são colocadas por Enzo Bianchi, no livro «Para uma ética partilhada», um dos novos títulos da editora Pedra Angular.

O autor fundou em 1965 a Comunidade Monástica de Bose, precisamente no dia em que se encerrava o Concílio Vaticano II (8 de Dezembro). Autor de textos sobre a espiritualidade das tradições cristãs, mantém um diálogo permanente e exigente com o mundo contemporâneo.

Os quatro capítulos desta obra abordam a “Presença da Igreja no espaço público”, “Uma linguagem humilde para narrar a fé”, “O peso das palavras” e “A ética e a ciência à luz da fé”.

O site da Pastoral da Cultura continua o excerto acima apresentado.

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