Membro da comunidade católica com deficiência visual fala da sua relação com Deus, de um periodo de questionamento, mas explica que nunca se «revoltou»
Gondomar, 29 mai 2024 (Ecclesia) – Ana Sofia Teixeira nasceu com deficiência visual, limitação que se tem agravado ao longo dos seus 36 anos, e que a leva, hoje, quase à cegueira, mas considera que esta condição a aproximou de Deus.
“À medida que fui crescendo, fui percebendo que tinha algo diferente das outras crianças, não só em termos físicos, em termos sensoriais, mas até ao nível espiritual distinguia-me das outras crianças, porque desde muito cedo sentia uma necessidade de me ligar a Deus, de estar próxima de Deus, porque também foi em Deus que eu consegui encontrar muita compreensão, muita força para conseguir lidar com a minha deficiência”, explica à Agência ECCLESIA.
Natural da Guarda, a psicóloga de profissão aprendeu a ler através do modo convencional da escrita a negro, com auxílio de ferramentas, e tendo crescido na Casa das irmãs de Santa Catarina de Sena, local que lhe permitia ter “mais ferramentas e mais condições para viver”, cedo a prática religiosa marcou a sua vida.
“Enquanto criança e adolescente, até mesmo o início da minha vida adulta, participei ativamente em celebrações de exposição ao Santíssimo. Eu via a hóstia consagrada. Eu olhava para aquela imagem como uma grande entrega de Deus, de amor que Deus fez por nós. A transformação de Jesus no pão e no vinho é algo muito familiar. E eu, até enquanto criança, de vez em quando, no final das missas dominicais, ajudava a arrumar o altar. E sempre tudo com muita delicadeza, com muito respeito”, recorda.
Ana Sofia Teixeira fala hoje da imagem que tem do sacrário, local numa igreja onde são guardadas as hóstias consagradas, que, em casa das irmãs estava “por detrás do altar, uma caixinha pequenina”: “São imagens que ficam”.
Mais recentemente comecei a olhar para o corpo de Deus de uma forma muito humana, muito próxima, em que Deus também se faz presença em nós. O facto de fazer parte do serviço pastoral à pessoa com deficiência da Diocese do Porto, de fazer parte da comunidade católica com deficiência visual, um núcleo deste serviço pastoral, tem-me ajudado muito a relacionar-me com a deficiência numa dimensão espiritual, numa dimensão de fé”.
Ana Sofia explica que o facto de não ter visão a ajuda a focar-se em outros aspetos quando participa, por exemplo, numa missa.
“A visão é o órgão dos sentidos que mais informação envia para o nosso cérebro, e é através desse órgão dos sentidos que, muitas vezes, o ser humano se dispersa. O facto de não ver permite-se ter menos momentos de distração”, indica.
Na celebração de uma eucaristia, a psicóloga prefere cantar, uma forma de expressão que elege na relação com Deus, e reconhece que a comunhão “pelas duas espécies, do pão e do vinho, consagrados no corpo e sangue de Jesus”, se torna num “momento de intimidade”.
Em jovem, Ana Sofia tinha o desejo de estudar no ensino superior tendo optado por estudar psicologia na Universidade de Aveiro, ultrapassando uma geografia completamente desconhecida.
“Cresci muito na Universidade, ri muito mas também chorei muito. Foi uma fase da vida que me ajudou muito. Eu tive a oportunidade de, pela primeira vez, enquanto mulher, me sentir amada por outra pessoa. Tive aí um namoro longo, que me acompanhou quase todo o percurso da Universidade, e foi também uma pessoa com quem partilhei a minha fé e posso mesmo dizer que um dos grandes frutos que esse meu primeiro amor me trouxe foi o facto de eu ter levado Deus à vida daquela pessoa – embora ouvisse falar de Deus, não o conhecia com profundidade e realmente eu tive a oportunidade de levar Deus à vida dele”, recorda.
Na Universidade, Ana Sofia desenvolveu investigação sobre o sofrimento emocional na população adulta com deficiência visual e acredita que o seu trabalho ajudou a abordar um dos setores que maior vulnerabilidade apresenta socialmente.
Hoje, ao olhar para a sua vida, para as limitações mas para as oportunidades que perseguiu, não tem dúvidas: “Foi um caminho bastante longo, mas do qual eu me orgulho imenso de fazer, porque foi um caminho onde eu sempre me senti acompanhada por Deus – nunca senti abandonada, nunca senti revolta, eu apenas questionava, será que eu vou ser capaz? Será que eu vou conseguir ser independente? Será que eu vou conseguir ter um trabalho? Será que eu vou conseguir ter alguém que me ame como eu sou? Será que eu vou conseguir construir família? Será que vou conseguir ter a minha casa? Será que vou conseguir ser independente e ter um trabalho?”
A conversa com Ana Sofia Teixeira pode ser acompanhada esta noite no programa Ecclesia, emitido na Antena 1 pouco depois da meia-noite, ficando depois disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».
LS
