Vaticano: Papa recorda Bento XVI e diz que seu antecessor «nunca» interferiu no pontificado

Novo livro aborda relação entre os dois pontífices, passando pela eleição de Joseph Ratzinger

Foto: Vatican Media

Cidade do Vaticano, 02 abr 2024 (Ecclesia) – O Papa Francisco recorda a sua relação com Bento XVI, num livro que é lançado esta quarta-feira, na Espanha, falando de um “pai” que “nunca” interferiu nas decisões do atual pontificado.

“Bento XVI era um homem de grande delicadeza. Nalguns casos, algumas pessoas aproveitaram-se dele, talvez sem malícia, e restringiram os seus movimentos. Infelizmente, de certa forma, estavam a cercá-lo. Era um homem muito delicado, mas não era fraco, era forte”, refere Francisco, em ‘El Sucesor’ (O sucessor), livro-entrevista do jornalista Javier Martínez-Brocal.

“Ele sempre me defendeu”, acrescenta, numa passagem da obra, antecipada pelo portal de notícias do Vaticano.

Francisco sublinha que o seu antecessor “humilde e preferia não se impor, por isso sofreu muito”.

O Papa, eleito em 2013 após a renúncia do seu antecessor, refere que Bento XVI o deixou “crescer” e foi “paciente”.

“Se não via uma coisa bem, pensava três ou quatro vezes antes de me dizer. Deixou-me crescer e deu-me a liberdade de tomar decisões”, indica, a respeito da convivência de quase dez anos, no Vaticano, com o Papa emérito.

Ele dava liberdade, nunca interferia. Numa ocasião, quando houve uma decisão que ele não entendeu, pediu-me uma explicação de forma muito natural. Disse-me: ‘Olha, eu não percebo isto, mas a decisão está nas tuas mãos’. Expliquei as razões e ele ficou contente”.

O Papa recordou as últimas horas junto do seu antecessor, a 28 de dezembro de 2022, quando o viu vivo pela última vez.

“Bento (XVI) estava deitado na cama. Ainda estava consciente, mas não conseguia falar. Olhava para mim, apertava-me a mão, percebia o que eu dizia, mas não conseguia articular uma palavra. Fiquei assim com ele durante algum tempo, a olhar para ele e a segurar-lhe a mão. Lembro-me vivamente dos seus olhos claros… disse-lhe algumas palavras com afeto e abençoei-o. Assim nos despedimos”.

Bento XVI viria a falecer no dia 31 de dezembro de 2022, aos 95 anos de idade.

Questionado sobre a continuidade entre pontificados, Francisco disse, no caso dos últimos Papas, “cada sucessor foi sempre marcado pela continuidade, continuidade e diferença”, porque “cada um trouxe o seu carisma pessoal”.

“Há sempre continuidade e não rutura”, insistiu.

Francisco relata que alguns cardeais foram ter com Bento XVI com acusações de que estaria a “promover o casamento homossexual”.

“Ouviu-os a todos, um a um, acalmou-os e explicou-lhes tudo. Foi uma vez que eu disse que, sendo o casamento um sacramento, não pode ser administrado a casais homossexuais, mas que, de alguma forma, era necessário dar alguma garantia ou proteção civil à situação dessas pessoas”, recordou.

Francisco confessa-se “magoado” por entender que o seu antecessor foi “usado” para o tentarem atingir e adianta que ordenou uma revisão do funeral papal, explicando que o velório de Bento XVI foi o último com o corpo do Papa fora do caixão, por considerar que os pontífices “devem ser velados e enterrados como qualquer outro filho da Igreja, com dignidade”.

Já no último domingo, passagens da entrevista adiantadas pelo jornal ABC adiantavam detalhes dos bastidores do conclave que elegeu Bento XVI, em 2005.

“Cheguei a ter 40 dos 115 votos na Capela Sistina. Eram suficientes para bloquear a candidatura do cardeal Joseph Ratzinger porque, se continuassem a votar em mim, ele não conseguiria alcançar os dois terços necessários para ser eleito Papa”, indica Francisco.

O atual Papa, então arcebispo de Buenos Aires, considera que a ideia dos que votaram nele era “bloquear a eleição de Ratzinger e, depois, negociar um terceiro candidato diferente”.

O cardeal Jorge Mario Bergoglio viria a votar em Joseph Ratzinger por entender que o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé “era o único que, naquele momento, poderia ser Papa”.

“Após a revolução de João Paulo II, tão dinâmico e ativo, fazia falta um Papa que mantivesse um são equilíbrio, um Papa de transição”, acrescenta.

OC

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Agência ECCLESIA

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