A certeza de uma presença
“Este é o dia que o Senhor fez”, cantávamos nós no salmo responsorial com uma força e convicção acrescidas pela beleza da música e pela qualidade da salmista. Este é o dia. Este é o dia do espanto, da abertura dos olhos, da confirmação das promessas, da vida em plenitude, pois a escuridão do túmulo foi invadida e aniquilada por uma luz nova e mais intensa, uma luz que permite aos olhos da alma ver uma verdade até então oculta e faz com que o coração não se contenha e dê saltos de satisfação. Este é o dia, porque se resume a um nome: Páscoa!
Com uma alegria incontida, celebramos, de facto, a Páscoa da Ressurreição de Jesus, o centro e fundamento da nossa fé. E celebrá-la é sempre um convite para revermos a nossa relação com Deus, mas também com o mundo e connosco próprios. Diante deste acontecimento transcendente, o maior da história, somos convidados à alegria, porque nos descobrimos amados por Quem ousou dar a vida por nós. E só o amor cura a nossa angústia, a nossa tristeza, o nosso desconforto, a nossa insatisfação.
Só quem ama Jesus pode sentir a alegria de O ter vivo. Nesse sentido, o mundo, a Igreja, a nossa diocese, as nossas comunidades, as nossas famílias precisam de cristãos que vivam/testemunhem a sua fé de forma apaixonada, com paixão. Celebrar a ressurreição de Cristo é tomar consciência do cumprimento da promessa divina de redenção oferecida a todos, em todos os tempos e lugares, e aceder à comunhão com Deus. Uma promessa que se cumprirá definitivamente no fim dos tempos, quando o “último inimigo do homem”, a morte, for destruído (1Cor 15, 26).
No curso da história que a humanidade vai percorrendo, a ressurreição convida à esperança. Nós esperamos, não apenas a vida eterna, mas guardamos sempre, mesmo no meio das dificuldades, a certeza de que nada está perdido. Nem as sadias relações humanas, nem a liberdade, nem a justiça social, nem o respeito mútuo, nem a paz, nem a família, nem a boa convivência, nem a desejada cooperação internacional, nem o desenvolvimento integral, nem os sonhos, nem qualquer um dos elevados e justos anseios de cada um de nós e da sociedade no seu conjunto.
Temos noção das dificuldades que perturbam a esperança. Sabemos de tantos corações fechados ao amor, de mentes que deixaram de sonhar, de crianças a quem se roubou o sorriso, de velhinhos abandonados e desprezados na sua sabedoria, de jovens que veem os seus projetos adiados, de famílias onde falta o convívio e a ternura, enfim, de nações que não sabem bem o que é isso de pão, de saúde, de educação, de paz, de povos onde a música foi abafada pelo troar dos canhões, de instituições cujo fim é impingir-nos a morte, seja no armamento, na droga e noutras técnicas de pôr fim à vida humana. E mais, muito mais. São dramas inerentes à nossa finitude e limitações, mas chamados a serem ultrapassados pela adesão à vida nova do Ressuscitado, na certeza de que “nada nos poderá arrancar ao amor de Deus” (Rom 8, 39).
Neste clima de esperança e da abertura à novidade, a um mundo de sorrisos e uma humanidade alegre, gostaria de fazer três referências. Em primeiro lugar, à consulta aos jovens da nossa Diocese, que será lançada, ainda neste tempo pascal, à base do tópico já conhecido: “Porto, que procuras? Vinde e vede”. Como já escrevi, “pretende-se promover e fazer acontecer vários momentos de encontro, de trabalho, de reflexão em ordem a um conhecimento real da nossa Diocese. Com um objetivo: que se encontrem novas dinâmicas, novas linguagens e novos caminhos para os tempos atuais e futuros da Igreja do Porto”. E que, como centro dessa novidade, esteja Cristo, como refere o Papa Francisco: “Cristo vive: é Ele a nossa esperança e a mais bela juventude deste mundo! Tudo o que toca torna-se jovem, fica novo, enche-se de vida” (CV 1). Os jovens estão a ser promotores de uma Igreja nova. Basta olhar para a Jornada Mundial da Juventude e para o que se verifica com tantos movimentos juvenis que se alimentam da espiritualidade e difundem espiritualidade. Alguns diziam que a Igreja tinha perdido o mundo da cultura no século XIX, os operários no século XX e a juventude no XXI. Mentira! Basta querer ver. E isto é esperança tornada ato.
Depois, na nossa Diocese e na sociedade civil, inúmeras instituições alimentam a esperança e antecipam o tempo novo. É o que se vê em paróquias acolhedoras e vivas, no serviço da caridade tu-a-tu ou de forma organizada, nos grupos de interajuda, convívio e solidariedade, na cooperação missionária e ajuda ao desenvolvimento, na reintegração daqueles a quem a vida colocou à beira do caminho, na ação a favor das grandes causas como a da abolição da pena de morte, no fomento de uma consciência ética no setor financeiro e económico, na luta contra o fabrico e comercialização das armas, etc. Isto é belo. Isto é o resultado do fermento da Páscoa.
Finalmente, ressaltar o valor ético dessa manhã “inteira”, como lhe chamou Sophia, que foi o 25 de abril de 1974. Não obstante o titubear típico das idades tenras, ele constituiu o patamar sólido da nossa democracia, da efetiva salvaguarda da dignidade pessoal e da real meta dos direitos humanos. Claro que continuam presentes muitos desafios. Mas serão vencidos, até pela longa experiência que temos enquanto povo e nação com tantos séculos de história. O cinquentenário dessa data compromete-nos. Compromete-nos, na esperança, para cumprimos os seus sonhos e ideais, pois, como diria Fernando Pessoa, “falta cumprir-se Portugal!”.
Irmãs e irmãos, o túmulo vazio é sinal de uma ausência que nos convida a assumir uma Presença. A ausência é a do mal e da morte; a presença é a da força do Ressuscitado. Esta verdade não é da carne ou inteligência. Porque estamos diante do mistério, o que implica a fé. Mas é um mistério que acalenta, envolve, acarinha.
Santa Páscoa no Senhor Ressuscitado.
D. Manuel Linda, bispo do Porto