Ética e desporto

«Confrontamo-nos, com inusitada frequência, com gestos e palavras, actos e omissões, capazes de lançar sombras de dúvida e descrédito» em muitas modalidades A ausência de ética é, actualmente, uma das chagas mais visíveis da prática desportiva, a nível global. De dirigentes a praticantes, passando inevitavelmente pelo público consumidor, confrontamo-nos com inusitada frequência com gestos e palavras, actos e omissões, capazes de lançar sombras de dúvida, que são a base do descrédito de muitas modalidades. Ganhar é, por norma, o mais importante. O único objectivo que importa atingir. Sem que entrem em linha de conta, nem o preço por que muitas vezes se chega à vitória, tampouco as consequências de alguns desses duvidosos triunfos. Mas, sendo isto o que se passa no domínio da competição, este quadro extravasa igualmente para outros sectores da sociedade, um dos quais, fundamental nos dias de hoje, o da área da comunicação social. Neste domínio, a revolução dos últimos tempos deixa marcas impressionantes: em Portugal, passámos a três jornais diários desportivos, publicam-se dezenas de páginas nos generalistas, há espaços previlegiados nos melhores horários televisivos e radiofónicos. A tudo isto veio agora juntar-se a internet, onde existe a possibilidade de consultar sites e blogues às carradas e das mais variadas origens. Isto, mais do que globalização é, muitas vezes, confusão. Repare-se, por exemplo, na Grécia, um país de características muito semelhantes às nossas: só jornais desportivos diários publicam-se, naquele país, dezoito ao todo, sendo dois dedicados, em exclusivo, ao basquetebol, modalidade que naquela zona mediterrânica tem forte implantação. Perante quadros destes, tornam-se dispensáveis alongados comentários. Por sabermos, todos, o quanto é tantas vezes necessário circular por caminhos ínvios para se chegar à “melhor e mais rápida informação”, com recurso a “armas” que a ética com frequência dispensaria. O jornalismo da área desportiva não se rege, actualmente, por códigos muito claros. A concorrência, que rápida e inesperadamente se instalou no mercado, coloca de lado regras que deveriam ser fundamentais na prática de todos os dias. Como acentua Bento XVI, na sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, “em certos casos os media são utilizados, não para um correcto serviço de informação, mas para “criar” os próprios acontecimentos”. A desenfreada corrida à notícia passou a não ter fronteiras. Importante, é dar primeiro que o concorrente, sem que o rigor esteja bastas vezes na primeira linha das preocupações. Quantos jornalistas se preocupam, hoje, com os parâmetros que devem reger a sua conduta, e que são conhecidos em inglês como “os cinco Ws e um H” e que recordo: o quê, quem, onde, quando, por quê, como? Provavelmente, um número considerável dos actuais milhares de detentores desse cartão mágico abonado pela Comissão da Carteira Profissional, não alimenta preocupações dessa ordem. Ou, porque o mais importante é tentar sobreviver a qualquer custo, e isso obriga a subverter regras que deveriam ser sempre fundamentais, ou porque quem lhes dita as leis a cumprir se regula por regras que nem sempre respeitam a deontologia e a ética. “O homem tem sede de verdade, anda à procura de verdade”, acentua o Papa. A nossa obrigação é ajudá-lo a percorrer esse trajecto. Sei, todos sabemos, que não é fácil seguir por este caminho. Mas ele é, seguramente, o único que nos permite ser profissionais de corpo inteiro, e adormecer todos os dias com tranquilidade. Ribeiro Cristovão, Director de informação desportiva da RR

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