Homilia do bispo da Guarda na Missa da Ceia do Senhor

Iniciamos a celebração do Tríduo Pascal, que é como que um único dia continuado.

Começa agora, com a Eucaristia comemorativa da Última Ceia e termina com a Eucaristia Pascal da Ressurreição. Amanhã, celebramos a comemoração da Paixão e Morte de Cristo.

Jesus, sabendo que se aproximava a sua Hora, a Hora da Cruz, reuniu os discípulos mais próximos numa refeição de festa.

E mandou os seus discípulos preparar o lugar e todos os pormenores para esta celebração festiva.

Era a refeição ritual da Páscoa que o Povo Judeu celebrava anualmente para fazer memória da libertação do Egipto.

No quadro dessa tradição, Jesus liga-lhe o testamento do mandamento novo simbolizado no gesto do Lava-Pés; institui o memorial da sua Paixão, Morte e Ressurreição com o Pão e o vinho transformados no seu Corpo e Sangue e juntamente o Sacerdócio da Nova Aliança, quando confere aos seus discípulos ali presentes o mandato do “Fazei isto em memória de mim”.

Hoje, ao fim da tarde e princípio da noite, também nós queremos transportar-nos àquela sala de cima, no Cenáculo, que Jesus mandou preparar com sinais de festa para, na companhia dos Doze, celebrar antecipadamente a grande novidade que, com sua Morte e Ressurreição, Ele ia introduzir na história do mundo.

O Livro do Êxodo apresenta-nos o ritual da Páscoa Judaica. Havia o cordeiro ou o cabrito que devia ser consumido por inteiro naquela noite para recordar que também na primeira Páscoa, noite da saída do Egipto, o sangue com que estavam marcadas as ombreiras das portas das famílias judias lhes poupou os seus primogénitos; como o Sangue de Jesus poupa a nossa vida e a vida do mundo dos erros e dos pecados.

Por outro lado, a I Carta de S. Paulo aos Coríntios diz-nos o que aconteceu de novo naquela Ceia Pascal.

Jesus tomou o Pão, pronunciou a bênção e disse “Isto é o meu corpo entregue por vós”. Depois tomou o cálice que já fazia parte do ritual e transformou, com as palavras pronunciadas, o vinho no Seu Sangue.

Acrescentou o mandato do “Fazei isto em memória de mim” e explicou o sentido deste novo pão e deste novo vinho assim: “Todas as vezes que comerdes deste pão e deste vinho anunciareis a morte do Senhor até que ele venha”.

O Evangelho de S. João, ao relatar a atitude surpreendente de Jesus que, de toalha à cintura, se ajoelha diante de cada um dos apóstolos para lhes lavar os pés, diz-nos que a Eucaristia não é apenas presença real de Jesus no meio de nós. É também compromisso de cada um de nós no serviço que ele quer continuar a prestar, particularmente aos que mais precisam.

De facto, foi esse o mandato expresso que Ele deu aos 12: “Também vós haveis de lavar os pés uns aos outros”.

Claro que este gesto de Jesus não foi, de imediato, compreendido e aceite pelos discípulos. Pedro começou por se opor, mas Jesus não desistiu de levar o seu propósito até ao fim e explicou-lho assim: “Dei-vos o exemplo. Como eu fiz fazei vós também”.

É por isso que se chama à Eucaristia Sacramento da Caridade. De facto, nela se manifesta o amor maior; esse amor maior que leva a dar a vida pelos amigos como o fez Jesus.

A conversão do Pão e do Vinho, que Jesus inaugurou nesta Ceia de Festa, introduziu na criação o princípio de uma mudança radical – uma espécie de fissura nuclear – que abre caminho para nova criação.

Também celebramos nesta Eucaristia comemorativa da Última Ceia a instituição do Sacerdócio da Nova Aliança ligado às palavras do mandato de Jesus – “Fazei isto em memória de mim” – duas vezes pronunciadas por Ele. É por isso que a espiritualidade dos sacerdotes, que esta manhã reunimos em solene Concelebração, tem de ser eminentemente uma espiritualidade eucarística. Sabemos que só com a mediação do sacerdote pode haver Eucaristia com a comunidade reunida sob sua presidência.

E todo o Povo Cristão vive da Eucaristia, principalmente a Eucaristia Dominical. Desde a Igreja primitiva vem-nos a convicção e a prática de que o Domingo é por excelência o dia da Eucaristia. Por isso somos desde então convidados a viver a Eucaristia “segundo o domingo”. Isto quer dizer que como o Domingo lembra a Ressurreição de Cristo no primeiro dia da semana, também a Eucaristia torna presente o dinamismo de Cristo Ressuscitado e aplica-o à transformação do mundo, a começar pela vida das comunidades que a celebram. Ela é, de facto, a novidade radical trazida por Jesus e o Domingo está sempre ligado a essa novidade mesmo quando não é possível celebrar a Eucaristia. É por isso que, quando não há Eucaristia, continua a obrigação de celebrar o Domingo, quer com a assembleia reunida sob presidência de um diácono ou mesmo outro ministro devidamente preparado e mandatado, como é o caso dos coordenadores das assembleias dominicais na ausência do Presbítero.

A presença real de Jesus no meio de nós acontece na celebração da Eucaristia, mas prolonga-se para além dela. Daí a importância da Adoração Eucarística e do próprio Sacrário nas nossas Igrejas.

No final desta celebração, a Procissão Eucarística que vamos fazer lembra-nos também esta importante dimensão da Fé no Mistério da Eucaristia, que, por graça de Deus, tem forte implantação na vida das nossas comunidades e daí o “Lausperene” com distribuição e dias marcados por todas as paróquias da nossa Diocese, ao longo do ano.

Louvemos o Senhor e peçamos a graça de fazer da Eucaristia em que participamos, sobretudo ao Domingo, a grande força de renovação da nossa vida pessoal e das nossas comunidades.

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda

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Agência ECCLESIA

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