Cultura: «Igreja sempre viveu da poesia e hoje falta-nos a escuta, que é um processo poético» – Rui Almeida

Autor, com 10 livros editados, lamenta que a tradição poética na Igreja não seja hoje valorizada

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 12 mai 2022 (Ecclesia) – Rui Almeida, poeta com 10 livros editados, lamenta que a poesia não esteja presente na celebração litúrgica, numa contradição com a tradição cristã, e afirma que falta “escutar”.

“A Igreja sempre viveu da poesia: a poesia sempre esteve presente na vida da Igreja e é uma necessidade. Os Evangelhos estão cheios de poesia mesmo sendo uma narrativa – olhamos para as palavras de Jesus e há um processo poético e um apelo à escuta que é um processo poético. É dessa escuta que se faz a poesia, o perceber a poesia. Toda a história da Igreja está marcada pela poesia”,refere em entrevista à Agência ECCLESIA.

“O momento mais alto, do dia mais alto da liturgia é um belíssimo poema, o precónio pascal é dos poemas mais belos; o hino da caridade de São Paulo é dos poemas mais belos que alguma vez se fizeram; o cântico das criaturas de São Francisco de Assis é das coisas mais belas que se fizeram, os salmos, o cântico dos cânticos. Não nos falta matéria”, acrescenta.

Para Rui Almeida, falta “escutar”, algo que é próprio dos cristãos e tem estado ausente.

Falta-nos escutar, falta-nos sempre escutar. Miguel Torga disse várias vezes nos seus diários «Temos tudo, falta-nos o essencial». A maior parte das vezes falta-nos o essencial. O cristão vive da escuta e ao dizer isto quero dizer que o cristão vive da poesia. Estarmos atentos uns aos outros também é um processo poético, não é necessariamente o escrever poemas mas o estar atento uns aos outros, o estar atento aos pequenos pormenores”.

A poesia, acredita o autor de 50 anos, que acaba de lançar o livro ‘Cinco cavalos abatidos e outros poemas’, pode ser entendida como um “diálogo, uma ponte”, que reconhece que “o Espirito sopra onde quer” e pode, simultaneamente estar “no âmago da Igreja como ir até às periferias”.

“Muitas pessoas de fora da Igreja ou até anti-Igreja se interessam hoje pela poesia do Daniel Faria ou do cardeal Tolentino Mendonça; perceber que, apesar de ser uma linguagem que vem da experiência da fé, consegue atingir muita gente que está fora é algo muito interessante. E o contrário também: muitas obras de quem está fora e de quem não tem nada a ver com a Igreja podem ser uma interpelação à nossa fé”, indica.

Rui Almeida dá conta que tem em casa “milhares de livros” e, particularmente os de poesia portuguesa, organizando-os “por data de nascimento do poeta”, o que lhe permite ter “uma linha do tempo” e oferece coincidências entre poetas distintos.

A trabalhar há vários anos no Secretariado Nacional para os Bens Culturais da Igreja, Rui Almeida valoriza o diálogo que se estabelece com o património e explica que alguns dos seus poemas são fruto do diálogo com arte sacra, “mesmo que não falem explicitamente da fé”.

“Fui percebendo a importância do património no fazer comunidade, na relação que temos com Deus, com aqueles que nos antecederam na fé e que deixaram um testemunho. A Comunhão dos Santos é algo intrínseco à fé cristã, e se acreditamos nela, sabemos que podemos dialogar com os que nos antecederam na fé”, acredita.

Rui Almeida afirma-se herdeiro do método ‘Ver, Julgar e Agir’, da Ação Católica, movimento que juntou os seus pais, mas destaca que hoje prefere sublinhar a escuta.

“O cristão é feito para a escuta. O ver e o escutar podem ser uma mesma coisa, porque o captar pelos sentidos é muito importante”, reconhece.

Do seu percurso, o poeta reconhece que ter vivido cerca de um ano e meio no Seminário de Almada, entre 1994 e 1996, lhe deu um “olhar mais alargado” sobre o que significa a expressão ‘comunidade de crentes’.

“A relação com Deus vai evoluindo com certezas, dúvidas e inseguranças. Vai-se transformando. Há uma fase que estamos em contexto, em que assim é de forma natural, mas depois há outras fases em que se coloca – não se acredito ou não em Deus – mas se há um caminho com Deus ou não”, explica.

O poeta Rui Almeida, que se estreou na publicação em 2009, foi convidado do mais recente programa Ecclesia, emitido na Antena 1 da rádio público: a conversa pode ser escutada no portal de informação ou em formato poadcast.

LS

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