Viana do Castelo: Missa da Ceia do Senhor

Homilia de D. José Pedreira 1. Tríduo Pascal Com a celebração da Ceia do Senhor, a Igreja dá início ao Sagrado Tríduo Pascal que terminará na tarde do Domingo de Páscoa. A entrega de Jesus na morte sacrificial da cruz foi antecipada simbólica, mas realmente, na Última Ceia celebrada com os seus discípulos mais próximos. Nela, Jesus instituiu o sacramento da Eucaristia, sacrifício e banquete de amor, e realizou o “lavou os pés” aos discípulos, confiando-lhes o Mandamento Novo: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei». A imolação do cordeiro pascal, de que nos falava o Livro do Êxodo, sinal da libertação de Israel da escravidão do Egipto, é figura da nova Aliança no sangue de Cristo e da libertação de todo o povo de Deus da escravidão do pecado e da morte. Por isso S. Paulo recorda na Carta aos Coríntios: «O cálice de bênção que consagramos não é ele comunhão com o sangue de Cristo?» (1 Cor. 10, 16). Ao tomar aquela simbólica refeição ritual, Jesus dá-lhe um sentido novo e «institui» a Eucaristia. Pondo fim a todas as “figuras” – que tinham como finalidade preparar-nos para a recepção deste dom divino (o maná, o cordeiro pascal, a multiplicação dos pães, a água viva que jorra para a vida eterna) – Jesus converte o pão e o vinho no seu Corpo e Sangue e apresenta-se, Ele próprio, como verdadeiro Cordeiro pascal. Por isso, refere o C. Vaticano II, “na noite em que foi entregue o nosso Salvador, instituiu na Última Ceia o Sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue, para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até Ele voltar, o Sacrifício da cruz. E confiou à Igreja este memorial da sua morte e ressurreição, ao dizer: “fazei isto em memória de Mim”. Durante uns breves minutos convido-vos a reflectir sobre este mistério Eucarístico e sobre o Mandamento Novo do amor fraterno. 2. Eucaristia mistério da fé – Jesus, no mistério da sua obediência até à morte, e morte de cruz, cumpriu a nova e eterna Aliança. Tornou-se o verdadeiro «Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jo 1,29). Ao instituir o sacramento da Eucaristia, Jesus antecipa a nova Páscoa, o sacrifício da cruz e a vitória da ressurreição; ao mesmo tempo, revela-Se como o verdadeiro cordeiro imolado, previsto no desígnio do Pai desde a fundação do mundo, como refere o apóstolo Pedro (I Ped 1,18-20). A instituição da Eucaristia mostra como aquela morte, de per si violenta e absurda, se tenha tornado, em Jesus, acto supremo de amor e libertação definitiva do mal para a humanidade. Ao ordenar «Fazei isto em memória de Mim», pede-nos que acolhamos este seu dom e o tornemos sacramentalmente presente. De facto, mais do que simples repetição da Última Ceia, assume-se como a novidade radical que caracteriza o culto cristão. Ao celebrar o sacramento da morte e ressurreição de Cristo, afirmamos a nossa fé na ressurreição da carne, de todos os que morrem em Cristo. Por isso, é importante a oração de sufrágio pelos mortos, particularmente a celebração da Missa para que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus. Mas é bom não esquecer que a Missa é muito mais do que isso, é o acto mais significativo através do qual, nós, os vivos, glorificamos, louvamos, agradecemos e solicitamos de Deus os seus benefícios. Nós, os vivos, necessitamos da Eucaristia. Importa redescobrir na vida de cada dia o lugar que a Eucaristia deve ocupar, particularmente na santificação do Domingo. S. Paulo recorda aos Coríntios, que conheciam o escândalo de divisões internas e individualismo de classes, a incompatibilidade destas condutas com a doutrina que recebeu e lhes transmitira: “Eu próprio recebi do Senhor o que por minha vez vos transmiti: Jesus tomou o pão e deu graças; depois, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo que é para vós. Fazei isto em memória de mim… Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue. Fazei isto sempre que beberdes em memória de mim” (1 Cor. 13, 23-26). Deste modo nos tornamos todos membros desse Corpo, “sendo individualmente membros uns dos outros “ (Rom. 12, 5). Quer isto dizer, que a Eucaristia faz de nós comunidade de convocados, Igreja de Cristo, à maneira de um único corpo. 4. Eucaristia mistério celebrado – O povo de Deus crê como celebra e celebra como crê, pelo que a norma da oração é também norma de fé. A fonte da nossa fé e da liturgia eucarística é o mesmo acontecimento: Cristo fez a doação de si próprio no mistério pascal. A celebração litúrgica deste acontecimento deve estar revestida de beleza e esplendor, de tal forma que nos fascine e arrebate, nos faça sair de nós mesmos para nos deixarmos atrair pela força do amor de Deus. O dia em que Cristo ressuscitou dos mortos, o domingo, é também o primeiro dia da semana, aquele em que a comunidade cristã é convocada para celebrar esse mistério. Para a condigna celebração, requer-se a participação plena, activa e frutuosa de todos os fiéis. Daí que é importante conhecer e viver a beleza e simbolismo dos gestos e ritos através dos quais celebramos a Eucaristia, por forma a fazê-lo conscientemente. Para esse efeito, muito contribuirá que se promovam os diversos serviços e ministérios, com relevo para o canto litúrgico. Nem todos os cânticos, mesmo que religiosos, têm o valor artístico, sentido litúrgico e capacidade de se adequar a uma boa celebração. Os grupos corais e todos os fiéis que dão a sua preciosa e generosa colaboração neste serviço à comunidade, merecem a nossa estima e que lhes sejam criadas condições para a devida preparação. Lugar relevante na celebração ocupa a liturgia da Palavra. A fé nasce da leitura e escuta da palavra de Deus. A homilia é momento importante para crescer no conhecimento das verdades da fé através da aquisição de sólida cultura religiosa. A comunidade cristã deve estar atenta a todas as pessoas que, por motivos de saúde ou idade não podem deslocar-se aos lugares de culto. Nesses casos, a comunidade cristã tem obrigação de lhes garantir, pela forma que julgar mais eficaz, a assistência espiritual, de que faz parte a comunhão eucarística. Nessa missão, muito podem colaborar os ministros extraordinários da Comunhão, em número suficiente e devidamente preparados. São de promover formas de devoção que estimulem a piedade eucarística, a adoração, a visita ao Santíssimo e outras formas de devoção populares. 3. Eucaristia mistério vivido – Jesus disse. «Aquele que me come viverá por Mim» (Jo 6,57). Esta vida divina em nós só atingirá a sua plenitude na vida eterna, mas começa já neste mundo, desde agora. O dinamismo da participação eucarística é princípio de vida nova em nós sempre que nela participamos conscientemente. Transforma a nossa vida em culto agradável a Deus, como referiu o apóstolo Paulo: «Quer comais quer bebais, fazei tudo para maior glória de Deus». Dá sentido pleno à santificação do Domingo, que deixa de ser visto como mera obrigação, um preceito por vezes embaraçoso, para se tornar momento de festa, partilha fraterna da mesa do Senhor, convívio entre os filhos de Deus e fonte de energia espiritual para nos colocarmos ao serviço dos outros irmãos. É neste contexto que se insere a cerimónia do Lava-pés. Este gesto ritual é sinal inequívoco do amor de Cristo, que se expressa no serviço e na doação. É símbolo dum amor ao serviço dos homens, que é sem limites e vai até à entrega total de si mesmo na morte de cruz. A exortação do Senhor é clara e muito concreta: “Se, pois, Eu vos lavei os pés, Eu, o Senhor e Mestre, deveis também vós lavar os pés uns aos outros. Foi um exemplo que vos dei a fim de que façais vós também como Eu vos fiz” (Jo 13,14). É neste mandato do Senhor que a Igreja nascente viu o Mandamento novo: «Que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei» (Jo. 13, 34); ou, usando outras expressões bíblicas: «onde haja caridade e amor aí habita Deus». Os fiéis cristãos precisam duma compreensão mais profunda da relação existente entre a Eucaristia e a vida quotidiana. Não se trata apenas da participação na Missa e na prática do descanso semanal, mas abraça a vida inteira. É por isso que este dia em que celebramos a instituição da Eucaristia deve ser também marcado pela partilha fraterna, pela prática da caridade. As comunidades cristãs são convidadas a pensar, hoje com especial sentido fraterno, nos excluídos da sociedade, nos sem pão, nos pobres. Convidamos as nossas famílias a acolherem a inspiração e a força deste sacramento. O amor entre o homem e a mulher, o acolhimento da vida, a missão de educar são âmbitos privilegiados onde a Eucaristia pode mostrar a sua capacidade de transformar, encorajar e encher de significado a existência humana. Particular afeição à Eucaristia devem desenvolver os sacerdotes e os fiéis que abraçaram o estado de vida consagrada. Seguir mais de perto o Senhor não nos impede de permanecer solidários com as preocupações dos homens. Não podemos reservar para nós o amor que celebramos neste sacramento, pois que ele pede para ser comunicado a todos. Aqui radica a vocação missionária do crente: testemunhar, anunciar, evangelizar, para que o mundo creia no único Salvador do mundo, para que tenhamos a vida e a tenhamos em plenitude. Prolonguemos esta reflexão durante os três dias do Tríduo Pascal. Depois desta ternura de Deus, tornemo-nos anunciadores do acontecimento da salvação em Cristo: «Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do senhor até que Ele venha» (1 Cor. 11,26). Que a participação no mistério da Eucaristia, robusteça a nossa fé nesta Igreja, que é mistério de comunhão.

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