Sacerdotes entre militares e agentes policiais

Homilia de D. Januário Torgal Ferreira na Missa Crismal do Ordinariato Castrense 1- Nesta Missa Crismal saúdo todos os padres capelães das Forças Armadas e das Forças de Segurança, nesta comunhão de unidade eclesial, evocando, particularmente, os ausentes no Afeganistão, Líbano e Kosovo e, a estas horas, o Padre Joaquim Martins, ao serviço da GNR, a caminho de Timor-Leste. Entre padres e bispos o guião é só um: a unidade nunca será unicidade; o bispo precisa dos padres, os padres necessitam do bispo. O contrário é contradição e infelicidade da existência. No decurso deste ano faleceram a Mãe de um sacerdote, e o Pai e Mãe, de um outro. Houve momentos penosos de enfermidades, que ainda não foram totalmente superadas. Situações humanas destas foram e são motivo de pôr à experiência a nossa sensibilidade e o exemplo fraterno. Aos diáconos permanentes, aos excelentíssimos senhores militares e civis que, nas suas responsabilidades, e também em funções de cooperação nos Conselhos Pastorais, nos quiseram enriquecer com o calor da presença, dirigimos uma palavra de muita estima. A tantos quantos estão aqui connosco, a nossa gratidão. 2. Não pomos em causa a missão sacerdotal, sem excluir a reflexão sobre formas concretas do nosso exercício. Cada um, num momento da história pessoal, decidiu-se por consagrar a vida, na fidelidade ao Único Sacerdote. A identidade com a Pessoa de Jesus Cristo, de modo livre e feliz, quer significar um voto de semelhança à entrega de um Deus à causa da humanidade: esta é grandiosa, quanto repudiada; única, quanto fonte de justiça e reconciliação. Porque há pobres, a Igreja tem a obrigação de ser libertadora. Porque há presos, os problemas do direito, suporte de um Estado civilizado, constituem fonte de nossa inquietação diante da legalidade não praticada. Porque há oprimidos, há só um exercício limpo diante do poder pela independência, contrapondo-nos à desumanidade e cooperando sempre a favor dos reais direitos de uma sociedade. Estas figuras do texto evangélico de S. Lucas 4, 16-21 (o pobre, os cativos, os oprimidos) representam protagonistas e questões do nosso quotidiano. Transformar a sua indignidade, converter a sua marginalização, verbalizar a sua entidade menor, não são terrenos indevidos. São a face renovada de Jesus Cristo, visivelmente profanada no santuário da Pessoa. Sem exclusão de ninguém, os mais carenciados de qualquer sorte deveriam ser sempre a prioridade de um Povo Sacerdotal. Tomar opções por eles, sonhar com um Mundo construído com outra arquitectura e inovadores cálculos, é, num espaço profano, como no pão que conduzimos ao altar, edificar o Corpo de Cristo, na Palavra e no viático da Eucaristia. Vós sereis “sacerdotes do Senhor”, proclama o profeta Isaías (61, 1-3). Esta a doutrina dos capelães militares e policiais. Este o indicativo da marcha do povo de Deus que, liberto da escravatura, ascendeu à maioridade de gente salva, na Páscoa do Senhor. 3- O mundo sem comunhão é uma empresa em falência. Multinacionais em crise, são forças contra o futuro. As gerações de toda a idade são vitimas de quem julga construir um novo tempo, desrespeitando o suor, o pão de tantas famílias, a instabilidade social. Ao contrário dos descuidados, a missão sacerdotal tem o cargo de zelar; ao invés de passar ao largo, a decisão de um padre é tornar-se próximo; em contraste com desculpas, um servo de Jesus Cristo assume as dificuldades próprias e reconverte a ineficácia do agir. Não se auto-vitimiza diante dos reparos. Não projecta sobre os outros o seu histórico insucesso. As atitudes perante a cultura contemporânea não solicita apenas os padres mas a pertinácia de todo e qualquer ministério, convidando, antes de mais, à meditação e ao estudo, e em todo o tempo e lugar, à fidelidade a convicções, nunca fechando os olhos nem os ouvidos a criticas honestas, que as há também destemperadas e fanáticas. Alguém me punha em causa há dias a acção da Capelania Militar e Policial, nestes termos: “Mas se as pessoas não manifestam o mínimo interesse, porquê manter um serviço? Se o que se deseja são dólares (perdoe-se-me o exemplo) e um padre lhes oferece rupias, como poderá a Igreja manter-se com modelos ultrapassados?” Se uma comunidade quer a escravatura, a perseguição aos emigrantes, as saudades do poder ditatorial, se é de opinião que estar ao lado do povo de Timor-Leste é dar ânimo a lógicas totalitárias, se se propõe destruir a família ou opor-se a qualquer liberdade, ou seja, se estas comparações concretas são auspícios de dólares…e não de rupias, que fazer? Vamos dar consentimento a ventos de desgraça? Fugir? Ou ficar de braços cruzados? Já nem me refiro ao facto de haver uma multidão de pessoas que está aberta à busca da verdade. A rendição é prova de que se não acredita em valores. Defendemos o progresso e sentimo-nos em casa com os avanços do saber. Tudo o que é humano constitui nossa pátria. Mas também o que levamos nas nossas mãos, não são ilusões. Sobretudo, não é nosso o que pomos à disposição de quem o deseja. Parece-me pão, mas é o Corpo de Jesus Cristo. Parecem receitas mas são fontes de justiça. Numa sociedade de aparências, perdemos. Mas quem quiser ganhar a sua vida, tem de perdê-la, diz o Senhor. Ganhar, em certas circunstâncias, é ser sepultado pelo próprio pedestal que se intentou erguer! Quem soletrar o “livro” da história dos homens e da mulheres dos nossos dias, desde a gruta de Belém até à Cruz da vítimas de hoje, estando ao lado destas e preferindo, de acordo com metáfora citada, rupias a dólares, ficou com a certeza de que os pobres foram redimidos, o espírito de corpo, reconquistado e a paz foi conseguida. Um capelão de militares e de agentes policiais é um padre que anuncia e vive a Boa Nova de que a morte foi transfigurada pela Páscoa! Igreja da Memória 04 de Abril de 2007 Januário Torgal Mendes Ferreira Bispo das Forças Armadas e de Segurança

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Agência ECCLESIA

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