Homilia do arcebispo de Évora na Vigília Pascal

A morte foi vencida. Hoje, começa uma nova criação. Hoje, recebemos um novo sopro de vida, a ressurreição de Jesus Cristo é sempre dita no presente, é sempre atual, ultrapassa as limitações do espaço e do tempo, é meta-histórica, enche a História Universal de um novo significado, uma experiência pascal que designamos de salvação (eterna).

O mistério cristão de salvação possui, como acreditamos e sabemos,  uma ligação umbilical com o acontecimento pascal. Esta constatação, que, entre nós, até pode parecer obvia, precisa de ser recordada com frequência, geração após geração, para não  fazermos do cristianismo somente uma ideia filosófica, mais ou menos ajustada às coisas da terra, mas experimentamos através do encontro intimo . Porque o mistério pascal é a base e a coroa da nossa salvação, é nele que nos refazemos interiormente, refazendo a nossa liberdade interior, pois o Seu Amor por cada um de nós é sem limites.

Importa que nos deixemos surpreender pelo anúncio pascal. Contemplemo-lo como se fosse a primeira vez.

 

O Evangelho não narra a ressurreição como um momento cronológico, uma vez que apresenta apenas os sinais do tumulo vazio e da explicação angélica para o que aconteceu, bem como a missão que isso acarreta para a vida dos cristãos que se encontram com esta nova realidade. Lucas pretende levar os seus leitores a fazer precisamente o mesmo caminho das mulheres; a cruz e a sepultura de Jesus conduzem necessariamente ao lugar onde Ele ficou depositado; é verdade que, várias vezes, Jesus tinha falado em ressurreição, mas os discípulos não compreendiam o significado de tais palavras (cf Lc, 18-34)

Lucas identifica os mensageiros como «dois homens com vestes resplandecentes» (Lc 24, 4; cf 9, 29). Esta  característica leva-nos à transfiguração no Tabor,  serve a Lucas para demonstrar a origem divina da mensagem: só Deus pode dar resposta à perplexidade humana diante da morte. À ressurreição de Jesus chega-se pelo anúncio e não pelo exercício dedutivo da razão humana. Assim acontecerá com Pedro e com os discípulos de Emaús que reconhecerão Jesus pelo anúncio e pelos sinais da sua presença (cf. Lc 24,13-35.36-49).

Jesus Cristo foi ressuscitado pelo poder do Pai e pelo Espírito Santo. O batismo e a eucaristia tornam-nos participantes da vida nova da Páscoa. Somos homens e mulheres ressuscitados. Podemos dirigir o coração para os Céus: “aspirai às coisas do alto (…) Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra.

Ao aceitarmos esta realidade essencial da nossa fé, e que hoje vamos renovar,  tornamo-nos aspirantes às coisas do alto, às realidades espirituais e divinas. A linguagem pode ser equivoca, pois não estamos a separar, em modo dualista as coisas da terra e as coisas do alto. Não são mundos opostos ou mutuamente excluídos. A fé é pascal, ou seja, propõe-nos a inteira unificação de todas as dimensões da vida. A nossa meta desde agora, é a plenitude da vida, a vida eterna, de modo que, desde o Batismo nos é proposto viver como homens e mulheres ressuscitados.

Somos frutos da Páscoa, porque fomos mergulhados nas águas do batismo, porque estamos confirmados pelo dom espiritual mais sublime, e temos acesso a todos os demais Sacramentos, sobretudo porque somos alimentados pela Eucaristia, a presença viva do Ressuscitado. A experiência sacramental é sempre uma realidade pascal. Como diz S. Leão Magno: “O que no nosso Redentor era visível, passou para os seus sacramentos”, permanecendo os seus efeitos invisíveis. É a nossa participação no absolutamente outro da vida nova.

Assim celebramos o núcleo da nossa fé: Cristo vive; e quer-nos vivos! Nele se fazem novas todas as coisas: a luz, a água, o pão, o vinho, a mesa compartilhada, a alegria renovada e a esperança presente em todos os corações.

A experiência pascal é uma experiência comunitária, nunca uma experiência apenas individual. Por isso o anúncio pascal faz de nós Igreja em saída, Discípulos Missionários da Esperança. Impele-nos a festejar a fé a partir da comunicação, o “nós” eclesial. Esta espiritualidade do “nós” remete-nos para dois acontecimentos significativos: a caminhada sinodal em curso na Igreja Católica e a novidade da terceira edição típica, em português, do Missal Romano, que hoje utilizamos. É com estas alegrias que na perene juventude do Cristo Ressuscitado, caminhamos para a Páscoa.

Senhora nossa e Mãe do Ressuscitado, permanece connosco em Cenáculo e ensina-nos a confiar, para que certos das promessas do mestre, tenhamos a alegria de viver contigo a manhã de Pentecostes.

D. Francisco José Senra Coelho, Arcebispo de Évora

 

 

 

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