LUSOFONIAS – Corações abraçados

Tony Neves, em Roma

O Papa Francisco é claro e direto: ‘em muitas partes do mundo, fazem falta percursos de paz que levem a cicatrizar as feridas, há necessidade de artesãos de paz prontos a gerar, com inventiva e ousadia, processos de cura e de um novo encontro’ (FT 225).

Há que abrir ‘percursos dum novo encontro’, há que ousar ‘recomeçar a partir da verdade’, pois só desta ‘poderá nascer o esforço perseverante e duradouro para se compreenderem mutuamente e tentar uma nova síntese para o bem de todos’ (FT 226), sem nunca esquecer que ‘a verdade é uma companheira inseparável da justiça e da misericórdia’ (FT 227).

Francisco está convencido de que a reconciliação e a construção da fraternidade exigem saber o que se passou: ‘a verdade é contar às famílias dilaceradas pela dor o que aconteceu aos seus parentes desaparecidos (…), o que aconteceu aos menores recrutados pelos agentes de violência (…), é reconhecer o sofrimento das mulheres vítimas de violência e de abusos’. A fraternidade só terá lugar quando se quebrarem as cadeias da violência, pois ‘a violência gera mais violência, o ódio gera mais ódio e a morte mais morte’ (FT 227). A vingança não resolve nada e ‘o perdão permite buscar a justiça sem cair no círculo vicioso da vingança nem na injustiça do esquecimento’ (FT 251).

Os caminhos podem ser difíceis de percorrer, mas é claro que ‘a verdadeira paz só se pode alcançar quando lutamos pela justiça através do diálogo, buscando a reconciliação e o desenvolvimento mútuo’ (FT 229).

As teorias podem ajudar na construção social de um país, mas nada substituirá o compromisso prático: ‘as grandes transformações não são construídas à escrivaninha ou no escritório. (…). Existe uma ‘arquitetura‘ da paz, na qual intervêm as várias instituições da sociedade, cada uma dentro da sua competência, mas há também um ‘artesanato’ da paz que nos envolve a todos’ (FT 231).

Não há paz sem justiça e este é um indicador importante: ‘aqueles que pretendem pacificar uma sociedade não devem esquecer que a desigualdade e a falta de desenvolvimento humano integral impedem que se gere a paz’ (FT 235). E não se podem nunca esquecer os últimos, os descartados, os mais frágeis.

Outros temas grandes são o perdão (que ‘não implica esquecimento’ (FT 250)) e a reconciliação, valorizados pelo cristianismo e por muitas religiões. O Papa deixa claro que ‘Jesus Cristo nunca convidou a fomentar a violência ou a intolerância’, pois ‘o Evangelho pede para perdoar setenta vezes sete’ (FT 238). Há lutas legítimas pela defesa dos direitos e da dignidade, mas ‘o importante é não alimentar um ódio que faz mal à alma da pessoa e à alma do nosso povo’ FT 242), mesmo sabendo que ‘não é tarefa fácil superar a amarga herança de injustiças, hostilidades e desconfiança deixada pelo conflito’ (FT 243).

A história mostra como são difíceis as cicatrizações da violência, mas ‘a verdadeira reconciliação não escapa do conflito, mas alcança-se dentro do conflito, superando-a através do diálogo e de negociações transparentes, sinceras e pacientes (FT 244).

Não se deve propor nunca o esquecimento. ‘A Shoah não deve ser esquecida’ (FT 247), nem ‘os bombardeamentos de Hiroxima e Nagasaki’ (FT 248), nem ‘perseguições, comércio dos escravos, massacres étnicos’ (FT 248) para não se voltarem a cometer atrocidades dessa dimensão. Mas também ‘é muito salutar fazer memória do bem’ (FT 249).

Finalmente, o Papa Francisco agarra dois temas quentes: a guerra e a pena de morte. A guerra ‘é a negação de todos os direitos e uma agressão dramática ao meio ambiente’ (FT 257). Após descoberta das armas nucleares, químicas e biológicas destruiu-se a lógica de uma eventual guerra justa, dado o seu poder destrutivo: ‘já não podemos pensar na guerra como solução, porque os riscos sempre serão superiores à hipotética utilidade que se lhe atribua. Nunca mais a guerra’ (FT 258). O Papa não tem dúvidas de que ‘toda a guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. É um fracasso da politica e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal.(…). Interroguemos as vítimas’ (FT 261).

E aí vem a grande proposta: ‘com o dinheiro usado em armas e outras despesas militares, constituamos um fundo mundial para acabar de vez com a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres’ (FT 262).

Também a pena de morte é visada: ‘hoje não é admissível e a Igreja compromete-se decididamente a propor que seja abolida em todo o mundo’ (FT 263). Há que lutar por condições dignas nas prisões e pela abolição da prisão perpétua, ‘uma pena de morte escondida’ (FT 268).

É preciso seguir Isaías que anunciou: ‘transformarão as suas espadas em relhas de arado’ (FT 270). Só de corações abraçados se constrói a fraternidade.

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Agência ECCLESIA

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