Cultura/Óbito: Morreu o ensaísta Eduardo Lourenço

Pensador português foi vencedor da edição 2020 do prémio «Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes», da Igreja Católica

Foto: C. M. Porto

Lisboa, 01 dez 2020 (Ecclesia) – Eduardo Lourenço, ensaísta, professor, filósofo e crítico literário morreu hoje, em Lisboa, aos 97 anos de idade.

A missa de corpo presente vai ser celebrada esta quarta-feira, dia de luto nacional, no Mosteiro dos Jerónimos, informou fonte da Presidência da República.

A celebração tem início marcado para as 12h00, sendo concelebrada pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e pelo arquivista e bibliotecário da Santa Sé, cardeal D. José Tolentino Mendonça, segundo a mesma fonte.

Em abril deste ano, Eduardo Lourenço foi distinguido pela Igreja Católica com o Prémio ‘Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes’, galardão instituído pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura em parceria com o Grupo Renascença Multimédia.

O júri do prémio referiu-se ao ensaísta como “reputado pensador português da atualidade”, com uma “obra ensaística e a escrita de rara qualidade literária” e “fecunda questionação da sua circunstância nacional e internacional”.

“Foi para mim uma grande surpresa. Já não estou em idade para receber prémios, mas tive uma grande satisfação e honra, não tanto por mim, mas pela grande admiração que tenho pelo padre Manuel Antunes, velho amigo, que sempre cultivou a exigência crítica e deixou-nos uma obra notável a que volto sempre com grande proveito”, referiu então, em declarações enviadas à Agência ECCLESIA.

Eduardo Lourenço Faria era natural da Guarda, onde nasceu em 23 de maio de 1923, em S. Pedro do Rio Seco, concelho de Almeida.

Após ter-se licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas, na Universidade de Coimbra, em 1946, iniciou aí o seu percurso académico como assistente e publica, em 1949 a obra “Heterodoxia”.

Eduardo Lourenço passou depois pelas universidades de universidades de Hamburgo e Heidelberg, em Montpellier e no Brasil, como Leitor de Cultura Portuguesa e em 1965 iniciou atividade pedagógica nas principais universidades francesas, tendo sido também conselheiro cultural da Embaixada Portuguesa em Roma.

EM 1999 foi nomeado administrador não executivo da Fundação Calouste e em 2016 Marcelo Rebelo de Sousa designou-o Conselheiro de Estado.

Com cerca de 40 títulos, Eduardo Lourenço foi autor de “O Labirinto da Saudade”, “Fernando, Rei da Nossa Baviera”, “Espelho Imaginário” e “Tempo da Música, Música do Tempo”.

Eduardo Lourenço recebeu o Prémio Camões (1996) e o Prémio Pessoa (2011) e foi galardoado também com as insígnias de Grande Oficial e a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e, em abril deste ano, o Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes.

Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes
Ata do júri da edição 2020Numa atenção compreensiva e crítica aos problemas culturais e sociais emergentes no mundo contemporâneo e numa renovadora mitografia do ser lusíada, desde há meio século Eduardo Lourenço constituiu-se no mais reputado pensador português da atualidade. Na sua obra ensaística e sua escrita de rara qualidade literária, a qualificada condição de filósofo frutifica em fecunda questionação da sua circunstância nacional e internacional.Saído de educação familiar católica e tendo sustentado essa formação nos tempos de «rapaz do CADC» em convívio com os jovens neorrealistas de orientação marxista, Eduardo Lourenço nunca renegou os princípios e os ditames do humanismo cristão. Através das vicissitudes e perplexidades de décadas de adverso devir no Ocidente do mundo das ideias e da atitude da intelectualidade dominante, manteve-se fiel aos seus fundamentos antropológicos, axiológicos e éticos, bem como à consequente «obrigação de suportar a liberdade humana» em todos os domínios.Tão oposto às panaceias ideológicas, prontas a cativarem ou alienarem a liberdade da vontade intelectual, quanto avesso à desolação do «niilismo espiritual» e à demissão das doutrinas relativistas, Eduardo Lourenço sustentou sempre, com desassombro e brilho, que a sua demanda de Conhecimento se queria coerente com o horizonte da «vivência mesma da Verdade» e que nela obedecia, «por temperamento e por formação espiritual», à «única motivação radical» que «finalmente é como decisão de ordem “religiosa” e mesmo “mística” […] que melhor se compreenderá» («Segundo Prólogo sobre o Espírito de Heterodoxia»).Dessa radicalidade pensante decorreu o confronto inquieto com o sentido do trágico, em autores que particularmente o atraíram (como Antero de Quental) e na perspetivação do seu próprio destino. Nesse processo existencial e fenomenológico, tão tocado pelo abalo metafísico do encontro com Kierkegaard e com F. Pessoa, em ordem à edificação de uma sabedoria trágica da vida porventura conciliável com a vivência eclesial da Fé, a incomensurável Transcendência divina («Há dias em que madrugamos e julgamos que vamos apanhar Deus. Em vão: Deus levanta-se sempre mais cedo!…») tem, para Eduardo Lourenço, o Mediador imprescindível em  Cristo, arquétipo da abertura amorosa do Eu ao Outro e de um sentido redentor para o Tempo.Ponderadas estas razões, o júri do Prémio Árvore da Vida / Padre Manuel Antunes decidiu por unanimidade atribuir em 2020 esse galardão a Eduardo Lourenço.

HM/PR

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