O emprego como factor de justiça e de paz

Comissão Justiça e Paz da diocese de Portalegre-Castelo Branco A Comissão Nacional de Justiça e Paz promoveu um Seminário subordinado ao tema “O desemprego – um desafio à coesão social e à cidadania”. A discussão deste tema foi uma forma que esta Comissão teve de desafiar a sociedade portuguesa para debater e, se possível, propor soluções que sirvam para minorar este tão magno problema. É certo que nem sempre o não ter emprego significa não ter trabalho. Pode haver trabalho não remunerado, assim como pode haver trabalho remunerado de carácter temporário. No entanto, ao conceito de emprego associa-se a ideia de uma remuneração em troca de um serviço que é feito com uma certa permanência. Ora, é esta permanência que, nos dias de hoje, está posta em causa. Quase todos os dias assistimos a empresas que estão a fechar as suas portas por não estarem adaptadas para competirem neste mundo sem fronteiras e em que a transferência dos capitais se faz à velocidade da luz. Outras empresas há que reduzem drasticamente o número dos seus empregados e desenvolvem novos processos tecnológicos e de gestão tendo em vista diminuir os custos e aumentar a eficácia. Outras, ainda, deslocam-se para outras paragens onde são menores os salários dos trabalhadores e as obrigações sociais que têm para com eles. São todos estes casos que fazem engrossar o número de desempregados no nosso País. Considerando, apenas, o desemprego como factor afectante da pessoa, ele tem repercussões a nível individual, familiar e social. Ora, “com o trabalho, o homem sustenta-se a si e à família, associa-se aos seus irmãos e presta-lhes serviços, pode exercer a verdadeira caridade e cooperar no aperfeiçoamento da criação divina… Daqui deriva para todo o homem o dever de trabalhar lealmente e o direito ao trabalho. Por seu lado, a sociedade, de harmonia com as próprias circunstâncias, deve ajudar os cidadãos em ordem a conseguirem um trabalho suficiente.” (Constituição Pastoral da Igreja no Mundo Contemporâneo, nº67). Sendo um dever, mas também um direito do cidadão, como é que a sociedade de hoje, que associa um grande desenvolvimento tecnológico a uma grande produtividade, consegue assegurar a todos os que o podem, o direito ao trabalho? Como é que esta sociedade de índole liberalizadora e mundializante, em que só os lucros elevados parecem ser o critério de aferição do bem, consegue proporcionar a todos os que o podem aquele factor de realização pessoal, de equilíbrio psicológico, de aceitação e promoção social que é o trabalho? Dados recentes indicam-nos que, em Portugal, existem cerca de 520.000 desempregados e que em cada dia, incluindo sábados e domingos, ficam sem trabalho 392 pessoas. Se o desemprego juvenil ronda os 16,4%, os que se encontram sem emprego há mais de dois anos são cerca de 106.000. Outros dados reveladores do perfil escolar dos desempregados indicam-nos que 74% deles têm apenas o ensino básico ou menos, enquanto que cerca de 50.000 têm o ensino secundário e outros tantos são licenciados. Este retrato aproximado do desemprego em Portugal revela-nos uma sociedade que, por um lado, sofre ainda de uma grande falta de qualificação escolar, sendo ela a grande fonte que alimenta os que não têm trabalho. Contraditoriamente, verifica-se que cerca de um quarto dos desempregados, com habilitações ao nível do secundário ou superior, também fazem parte do contingente dos sem-trabalho. Estamos, pois, perante sinais de uma sociedade em que uma parte significativa dela sofre de injustiças de vária ordem. Assim: – há muitos que não conseguem exercer o direito ao trabalho; – é nos que apresentam maiores deficits de natureza escolar, isto é, nos estratos sociais mais desfavorecidos e, consequentemente, mais vulneráveis, que ocorre a maior taxa de desemprego; – uma faixa representativa de cidadãos apresenta-se com habilitações superiores mas que não correspondem às necessidades da comunidade o que indicia um elevadíssimo desperdício de mão de obra qualificada ou potencialmente qualificada num País de baixa escolaridade. Estas injustiças, que são sentidas a nível individual, são traduzíveis, depois, em pequenas guerras que cada um dos visados vai travando consigo próprio, com os da família, com os grupos sociais com que se relaciona, com a sociedade em geral. Ora, sem justiça não pode haver paz. E esta é uma condição necessária para o desenvolvimento pessoal mas, também, para o desenvolvimento do País. Mas, como fazer face a tudo isto? Esta situação será uma fatalidade que, passivamente, teremos que aceitar e a ela nos subordinar, como consequência dos novos modelos tecnológicos e económicos que nos envolvem? Não haverá meios que o Estado e a sociedade civil possam utilizar que contribuam para reorientar a sociedade para horizontes com menos injustiças e, como tal, com mais paz? Não é função específica desta Comissão Diocesana fazer propostas concretas sobre como combater o desemprego. No entanto, ela também não se inibe de – eleger, como primeiro campo de intervenção, uma educação básica e secundária adequadas às camadas jovens mas que seja exigente no cumprimento dos conteúdos, atenta às necessidades da comunidade, disciplinadora e que desenvolva capacidades de trabalho no aluno; – propor um ensino superior que não ande divorciado da realidade envolvente, que promova a inovação e que coopere com o mundo empresarial de modo a atrai-lo para investimentos em tecnologias avançadas onde o País é deficitário, tal como o sector das energias não poluentes; – referir que a aplicação de medidas que dificultassem quer o pluriemprego dos activos, quer o exercício de trabalho remunerado por conta de outrem dos aposentados, poderia contribuir para maiores oportunidades de trabalho. Discussões sobre o desemprego não têm faltado. Os diagnósticos, parece, já estão feitos. É certo que se tem tentado atacar o flagelo com algumas medidas. Nelas, no entanto, terão estar envolvidas, além do próprio Estado, a Igreja, associações patronais, sindicatos e outras organizações com responsabilidade na sociedade. Estas entidades têm que saber ouvir e interpelar a comunidade, na esfera que a cada uma compete, sobre aquilo que se faz, aquilo que se pretende ser e que meios se possuem e se necessitam para o alcançar. Mas, acima de tudo, cada uma delas deveria saber suscitar compromissos, que se traduzissem em intervenções, a nível individual e a nível de grupos, tendo em vista uma maior equidade da sociedade. O desemprego é uma chaga social que tolhe o mais elementar dos direitos individuais e corporiza em quem o experimenta um estado de injustiça; além disso, ele afecta gravemente o desenvolvimento do País. A imaginação, o saber, o trabalho, a ética e a audácia são factores importantes que podem contribuir para fazer diminuir essa chaga. Haja quem os congregue, no Estado e na sociedade civil, a favor da Justiça e da Paz! Portalegre, 6 de Junho de 2006

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top