LUSOFONIAS – Desafios e alertas à Missão

Tony Neves, em Roma

Atenção! O covid ainda anda por aí à solta. E lança os tentáculos em todas as direcções. As redes sociais, com meio mundo fechado em casa, foram o grande espaço de conversa. Para o melhor e para o pior. Para dar notícias e para enganar (tanta ‘fake news’ por aí à solta e tanta facilidade em ligar e desligar…), Para dar coragem e para semear pânico. Para ajudar e para complicar. Para deprimir e para espalhar bom humor. Nunca vi tanta piada a circular como nos tempos de confinamento (usemos a expressão mais lusófona: ‘isolamento social voluntário’!). Fechou tudo o que não era absolutamente essencial estar aberto. Por isso, as Igrejas fecharam e a Missão teve que passar pelos media, sobretudo pela internet e suas redes sociais. Claro que, como pediu o Papa desde o início, não fechamos a caridade à chave! E aí jogamos, como Igreja, uma cartada missionária fundamental.

Sem Igrejas abertas, sem culto presencial, sem catequeses e reuniões pastorais, parecia que restavam poucas alternativas à Missão. A mensagem cristã passou pelos media, com muita criatividade e também alguma falta dela. Mas, sobretudo, houve uma aposta forte no trabalho feito pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social, centros paroquiais e outras instituições sociais, na atenção aos mais frágeis. Gostei muito de ver o empenho das paróquias com as pessoas idosas e sós. Fiquei impressionado com a atenção dada aos imigrantes pobres e sem abrigo. Marcou-me o apoio expresso aos médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar, bombeiros, maqueiros e todos os fornecedores de serviços indispensáveis para a sobrevivência do povo e o combate ao vírus. Houve padres, irmãos e irmãs, de diferentes dioceses e institutos que deixaram as suas casas e conventos e foram para os hospitais ou para a rua tratar doentes. Bastantes morreram. Enfim, fecharam-se janelas à Missão e abriram-se portas de par em par.

Muita partilha, bastantes reflexões teológicas e pastorais tentaram ajudar-nos a perceber, como cristãos, que a vida religiosa não se pode confinar às paredes de um edifício (a Igreja) nem às dinâmicas de estruturas como as paróquias, capelanias ou movimentos. Há muito mais vida cristã para além daquela a que, regra geral, nos habituamos e que nos agarramos como lapas aos rochedos do mar. Redescobriu-se uma Igreja doméstica, pudemos perceber melhor o espaço a dar ao silêncio (o Cardeal Tolentino disse que ‘os lugares de silêncio são terras de ninguém, como o Sábado Santo’), à meditação pessoal, compreendemos como é importante o exercício criativo da caridade, como é decisivo abrir o coração e encontrar razões de viver em contextos de crise profunda e de tragédia, como somos capazes de dar as mãos e fazer caminho com pessoas e instituições com as quais não nos identificamos… este será, certamente, um dos maiores ganhos missionários para aprofundar no pós-covid.

Cada tragédia obriga o dia seguinte a ser radicalmente diferente. Quando falam em ‘voltar ao normal’, eu fico assustado, pois não quero fazer uma viagem de regresso ao passado. Podemos melhorar, devemos criar um mundo novo.

Cruzando a ‘Alegria do Evangelho’ com a ‘Querida Amazónia’, passando pela ‘Laudato Si’ e por todas as intervenções (tão fortes, tão interpeladoras…) do Papa Francisco, gostaria de lançar algumas linhas de abertura a um futuro missionário diferente: vamos apostar num estilo de vida mais simples, mais fraterno, mais inclusivo, mais ecológico. Vamos tentar reduzir o fosso entre ricos e pobres. Vamos apostar mais na saúde e educação do que nas armas, na droga e nos tráficos humanos. Vamos anunciar e viver com coragem um Evangelho que é libertador de todas as formas de opressão, cruzando as Bem-Aventuranças com as parábolas do Bom Samaritano e do Juízo Definitivo. Ousemos construir projectos de desenvolvimento e solidariedade com as comunidades humanas e eclesiais mais pobres do planeta. Deitemos fora dos hábitos quotidianos tudo o que é ecologicamente negativo. Tentemos investir cada vez mais na Igreja doméstica e numa caminhada de Fé que faça dos cristãos cidadãos responsáveis e comprometidos.

Tomemos a sério e a rigor o ‘Plano para Ressuscitar’ que o Papa Francisco apresentou à revista espanhola ‘Vida Nueva,’ com propostas e temas que não devemos contornar: salário mínimo universal, perdão da dívida externa aos países pobres, apoio aos pactos sobre migrações e acordos sobre as mudanças climáticas.

Em suma, como pediu o Papa naquela Praça de S. Pedro vazia em domingo de Ramos da Paixão: ‘A vida não serve se não se serve os irmãos. (…)’Não tenham medo de dar a vida a Deus e aos outros. Digam sim ao amor sem ‘ses’ nem ‘mas’. Não pensemos só naquilo que nos falta. Pensemos no bem que nós podemos fazer’.

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