Cardeal português analisa a dimensão crente no contexto dos teatros da paixão, afirma que Deus «atua nos limites da história» e que esta Páscoa é vivida com um «nó na garganta»
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Cidade do Vaticano, 07 abr 2020 (Ecclesia) – O cardeal D. José Tolentino Mendonça considera que a humanidade experimenta uma “provisoriedade radical”, afirma que a fé “não é uma garantia”, atravessa “o drama da paixão” e liga-se a tudo o que acontece à volta dos crentes.
No itinerário que faz na Agência ECCLESIA em torno dos “teatros da paixão”, o arcebispo português sustenta que “é importante pensar a fé a partir da categoria do drama”.
“A fé atravessa o teatro da paixão, deixa-se iluminar por ele”, afirmou.
“Muitas vezes pensamos que a fé é uma coisa adquirida, uma espécie de assentimento da alma que permanece intocado, sem variações, ou então que é um bem que nos foi transmitido e que transmitiremos a outros ou então é um elemento de cultura que nós herdamos, como se a fé nunca atravessasse o drama, como se a fé não fosse o que ela é: um palco onde, no estremecimento, o sim ou o não se decidem, o seguimento ou a recusa de Jesus podem e estão sempre a acontecer”, disse D. José Tolentino.
Para o cardeal madeirense, “a fé é uma itinerância”, um “nomadismo interior”, que é “atravessada por tantas interrogações, tantos dilemas, tantas crises” e “nada do humano é indiferente à fé.
“Nós, cristãos não podemos dizer: a minha fé não tem nada a ver com a pandemia, não tem nada a ver com o que acontece à minha volta”, lembrou.
D. José Tolentino Mendonça analisou o itinerário crente de São Pedro, nas narrativas do Evangelho, para constatar que a sua “não é uma fé plástica, pré-fabricada, abstrata, mental, isenta de turbulências da sua própria vida interna e daquilo que acontece”.
“Pedro é aquele que reconhece e ao mesmo tempo aquele que não reconhece. A fé de Pedro balança entre a proclamação, o conhecimento e a ignorância, a dureza o obstáculo ao projeto de Jesus”, afirmou.
O cardeal Tolentino Mendonça considera que a fé do crente “é sempre pouca” e o mais importante é reconhecer perante Deus “a fragilidade” de quem acredita, colocando nas “nas mãos de Deus essa escassez”.
“A fé é deixarmo-nos ser socorridos. A fé não é uma garantia, é uma confiança. É podermos viver com humildade o estado de confiança”, afirmou.
O arcebispo madeirense disse que o contexto atual e pandemia, “com as igrejas fechadas, com a impossibilidade que as assembleias têm de participar nas liturgias” deixa “um aperto ao coração.
“Nós vivemos esta Páscoa com um nó na garganta. Vivemos sentindo a provisoriedade radical da nossa humanidade. Sentimo-nos todos precários. E essa precariedade dói como um espinho cravado na nossa carne”, afirmou.
“A nossa condição de mais precários do que nunca, mais impotentes do que nunca é em si mesma uma oração”, referiu.
Para D. José Tolentino Mendonça, “Deus está presente, manifesta-se, atua nos limites da própria história” e nos “nós cegos” do quotidiano, acrescentando que, “para quem crê, Deus não está fora da história, porque ele é o crucificado”.
“Ele é o primeiro a estender a sua solidariedade redentora a todos os homens e a todas as mulheres, em qualquer circunstâncias. Jesus é o primeiro a atender, a escutar, a chegar, a abraçar, a conduzir, a confortar”, afirmou.
Interpelado sobre o gesto do Papa que, numa sexta-feira, decidiu preencher o vazio da Praça de São Pedro para uma alocução e bênção, à cidade de Roma e ao mundo, Francisco foi “como que abraçado pela força da oração”.
“A partir daquela sexta-feira, o vazio foi como que exorcizado e deixou de ser alguma coisa que quase nos sufoca e, pelo contrário, tornou-se ponto de partida. O Papa saiu do vazio e chegou até Cristo”, afirmou.
“Se abraçarmos os vazios na fé, eles tornam-se lugares para a revelação”, disse D. José Tolentino Mendonça.
No entardecer desta quarta-feira da Semana Santa, o cardeal Tolentino Mendonça refere-se às “figuras do caminho de Jesus” no teatro da Paixão.
PR
Ecclesia: Viver cada dia da Semana Santa com o cardeal Tolentino Mendonça (c/vídeo)