LUSOFONIAS – Da Calheta ao Aeroporto Nelson Mandela

Tony Neves, em Cabo Verde

O adeus a Cabo Verde provoca sempre aquele sentimento que Cesária Évora imortalizou ao cantar a ‘Sodade’. Tem sido sempre assim e, desta vez, não houve excepção.

A última semana foi dividida entre a Calheta de S. Miguel, a Cidade Velha e a Praia. Sempre a suspirar por chuva, este povo tem uma enorme confiança no futuro, carimbado pela sua Fé e alegria de viver. Na Calheta, estive nas três Escolas Secundárias do Município: a da cidade, a da Achada Monte e a da Escola Padre Moniz, na Paróquia. Encontrei nestas largas centenas de jovens uma grande vontade de saber, de crescer e uma preocupação grande com o futuro, sobretudo no que diz respeito às alterações climáticas e à violência. Sabe bem esta respiração de vida por um amanhã com melhores condições, com uma cidadania mais responsável, com uma democracia mais madura, com uma justiça mais efectiva, com os direitos humanos mais respeitados por todos. Foi uma graça poder celebrar todas as manhãs com o povo, estar no Noviciado Espiritano, bem como ir até à Ribeira de Principal para a Eucaristia dominical, num ambiente onde só a escassez de água pode retirar o verde de uma paisagem de paraíso.

O Seminário da Praia foi o lugar escolhido para um encontro com todos os padres, realizado ali naquela língua de terra que entra mar adentro, onde o vento sopra sempre forte e o ruído das ondas nos lembra que estamos no meio do mar. Também neste belo e simbólico local, houve um encontro com responsáveis pelas comissões de Justiça e Paz da Diocese de Santiago. Mas não podia deixar de referir a importância dos encontros com comunidades de Irmãs. Por três vezes estive na Casa Principal das Espiritanas, na Prainha, bem junto ao mar: primeiro com as Irmãs; depois com os Leigos que partilham a sua Espiritualidade; finalmente, com jovens Religiosos e Religiosas. Visitei igualmente as Irmãs Filhas do Sagrado Coração de Maria, na Calheta; as Irmãs Espiritanas na Assomada; as Irmãs da Santíssima Eucaristia, em Miraflores; as Irmãs Reparadoras, em S. Pedro e na Achadinha.. Dinâmicas e, na sua maioria jovens, estas Irmãs exercem uma missão insubstituível para este povo e esta Igreja que vivem em Cabo Verde.

A Cidade Velha é património da humanidade, pois foi a capital das Ilhas e as ruínas da catedral são monumento único para a história do cristianismo em África. Esta velha paróquia está confiada aos Espiritanos e tem lá a morar também uma comunidade de franciscanos. Acompanhei o P. António Honorato, pároco, nas celebrações de duas comunidades pobres do interior da paróquia, lá onde o povo vive os efeitos da seca e da praga de gafanhotos que tudo levaram em setembro. Em espaços simples, as pessoas vivem a Eucaristia como uma grande festa.

O país está a progredir no que diz respeito a indicadores de desenvolvimento. As estradas são boas, o parque automóvel renovado, o trânsito mais controlado, os lixos estão mais ou menos recolhidos, não se vêem muitas pessoas nas ruas com ar de muito pobres, a organização social funciona, há escolas e universidades…falta a chuva e há indicadores menos bons como o da falta de trabalho e o aumento da criminalidade, abusos de droga e álcool, levando muita gente à prisão, que tive a possibilidade de visitar.

Após um carnaval que eu acompanhei em diversas vilas e cidades, nas minhas visitas de despedida (estive em muitas filas a ver desfiles passar!), chegou a bruma seca, a tempestade de areia que vem do deserto do Sahará e fecha o espaço aéreo. Assim, chegou a quaresma e eu ainda pude estar na grande celebração da quarta-feira de Cinzas que, em Santiago é feriado. O povo da Ilha vive uma tradição muito antiga: a quarta feira de cinzas é dia de comer muito couscous com mel e outras iguarias que metam peixe e vegetais. Dizem que tudo começou no tempo da escravatura em que os senhores faziam o jejum e, nesse dia, davam mais comida aos escravos. Ainda hoje, há famílias que saem da Praia e vão até às povoações do interior para, a partir do meio da tarde, comer estas iguarias, seguindo tradição ancestral. Mas, de manhã, as pessoas não comem nada e vão à Missa para a imposição das cinzas. Celebrei numa capela na periferia pobre da Praia e estamos centenas de pessoas na Missa.

Prometi voltar e vou tentar cumprir.

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Agência ECCLESIA

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