Ecologia integral – um conceito chave

Maria Luísa Ribeiro Ferreira

A ecologia integral é uma disciplina relativamente recente, para a qual as preocupações ambientais do nosso tempo nos têm progressivamente sensibilizado. Nela se privilegia o ecossistema, uma unidade maior que nos leva a perceber como se relacionam as diferentes criaturas.

LS – Laudato Si’ 140

À tese de que tudo está ligado junta-se o reconhecimento de que os esforços humanos deverão procurar uma relação mais justa com a nossa casa comum, bem como com os seus habitantes.  A ideia de que todos nós, humanos e não humanos, estamos inseridos numa mesma trama é algo que encontramos em muitos filósofos do passado. A título de exemplo lembramos as teses de Plutarco (sec. I) e de Leibniz (sec. XVII) pois ambos sustentaram que os corpos são inter-atuantes e que tudo está em tudo.

Para o primeiro, o Universo é uno e contínuo e um facto individual pode influenciar todos os outros. Por isso defende que uma gota de sangue que se deite no mar estender-se-á a todo o Oceano e dele a todo o Universo.

Séculos mais tarde, Leibniz  escreve que “todo o corpo se sente de tudo o que se faz no Universo de tal modo que aquele que vê tudo, poderia ler em cada um o que se faz por toda a parte.” (Monadologia, §61).

 

Tudo tem a ver com tudo

A tese de que tudo tem a ver com tudo é retomada pela ecologia contemporânea, sendo um dos temas dominantes da Encíclica Laudato Si’. No capítulo IV deste documento, o Papa Francisco alerta-nos para a necessidade de atendermos à inter-atuação dos diferentes patrimónios – natural, físico, ético, histórico, cultural e artístico, enfatizando as suas relações bem como as consequências das mesmas no nosso modo de viver. E apresenta-nos uma nova perspectiva sobre o que é uma criatura de Deus – cada organismo é um bem em si mesmo; nenhum é isolado e, como tal, a sua importância decorre das relações que lhe é possível estabelecer com os outros.

Dado que tudo está relacionado, o cruzamento de diferentes olhares impõe-se.  A antiga classificação das ciências em naturais e humanas deixou de ter significado. O conhecimento do Todo exige um apelo aos diferentes saberes. Não faz sentido separar as questões económicas das sociais, os problemas ambientais dos estéticos, a economia da ética, as temáticas relacionais da axiologia (LS 142). Há que atender ao cruzamento da ciência com a arte, da cultura com a técnica, das linguagens eruditas com as populares (LS 143). Importa ouvir as diferentes vozes locais para se poder intervir levando em conta uma diversidade de bases culturais (LS 144). A variedade e a aceitação da diferença impõem-se como valores.

 

Como medir a qualidade de vida?

A qualidade de vida não é uma entidade abstrata e não se coaduna com a homogeneização. Ela mede-se pelas relações de vizinhança, pela criação de redes de inter-ajuda, pelo estabelecimento de laços de pertença e de convivência (LS, 103).

Os padrões de vida ocidentais não se aplicam uniformemente a todas as sociedades. Recordemos a atuação de Wandana Shiva, cientista, ecologista e filósofa, e o modo como conseguiu valorizar o trabalho das mulheres na sua Índia natal. O empenho que dedicou à causa das sementes, guardadas pelas aldeãs e posteriormente utilizadas na produção de melhores colheitas, foi determinante na resposta às fomes endémicas que a multinacional Monsanto ocasionou com a sua política agrária. Ao apostar nas culturas tradicionais desenvolvidas pelas mulheres indianas, Shiva estimulou nelas o respeito próprio, tomou-as como parte activa na luta pela manutenção das culturas locais e devolveu-lhes um protagonismo merecido enquanto participantes numa cultura ancestral. O cuidado da terra e de todos os seres que nela habitam exige o estabelecimento de relações entre o local e o global.

Há que perceber que a saúde de cada um se integra na saúde do Todo. É importante salvaguardar a saúde das instituições, dos comportamentos sociais e de todos os habitantes das diferentes comunidades. O urbanismo deverá atender às necessidades individuais. O que implica a partilha do espaço global de modo a que cada um(a) o sinta como seu.

 

Acima de tudo a dignidade da pessoa humana

A pobreza leva a “comportamentos desumanos e à manipulação das pessoas por organizações criminosas” (LS, 149). Lembramos que em latim o termo salus tanto significa saúde como salvação. Ora a Laudato Si’ apresenta-nos uma proposta de salvação comunitária que exige condições de saúde física, psíquica e social. Recuperar o conceito de natureza humana, na sua diversidade e múltiplas manifestações, exige atenção e respeito. É respeitando o conceito de pessoa e sublinhando a dignidade que tal conceito exige, que se reivindicam os direitos sociais e políticos necessários para a promoção do bem comum.

O Papa Francisco apela à solidariedade e à “opção preferencial pelos pobres.” (LS, 158). É uma atitude que pretende ver concretizada no presente. Mas também não esquece as gerações futuras, pelas quais todos somos responsáveis pois “a terra que recebemos pertence também àqueles que hão de vir.” (LS 159).


Foto da capa: Sustentabilidade alimentar e eventos climáticos extremos,http://vandanashivamovie.com.

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Agência ECCLESIA

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