Homilia do bispo de Setúbal na Missa Crismal

Irmãos e irmãs,

Todos os anos, damos início às celebrações principais da nossa fé, incluídas no tríduo pascal, com esta solene assembleia eucarística concelebrada pelos dispensadores habituais dos sacramentos da Igreja nas nossas comunidades e com a bênção dos óleos que são fonte de bênção e vida para o povo de Deus.

Os óleos santos que hoje abençoamos são expressão clara do amor de Deus que age na sua Igreja. Como os elementos dos outros sacramentos – a água do batismo, o pão e o vinho da eucaristia, os sinais de reconciliação e de bênção – também os óleos são abençoados pelo bispo ou pelos presbíteros, que os distribuem, com a colaboração dos diáconos. Eles são servos e instrumentos da vida de Deus, mas, antes de mais, os dons que levam aos irmãos, configuram a própria vida e o coração de cada um deles. Para cada um dos que estão ao serviço destes sacramentos da misericórdia de Deus – para cada um de nós – esta é uma grande graça e um grande desafio de vida e de missão: transformar-nos em expressão vital daquilo que celebramos, para sermos transparência da ação misericordiosa de Deus, através das nossas atitudes, palavras e gestos.

Nós – bispos, sacerdotes, diáconos – fomos agraciados pela unção deste óleo santo, na nossa ordenação, que hoje, de modo especial, agradecemos, celebramos e renovamos. Somos convidados a interiorizar esta dupla dimensão da nossa vida e ministério: a comunhão, identificação e configuração com Cristo, e o serviço aos irmãos que daí brota. Essa intrínseca e íntima ligação entre a comunhão com a Santíssima Trindade e o serviço aos irmãos é hoje anunciada pelo profeta Isaías e manifestada por Jesus na sinagoga de Nazaré:  “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres.”

Jesus diz, antes de mais, “O Espírito do Senhor está sobre mim“. Ele refere-se ao Espírito Santo, manifestado no batismo no rio Jordão associado à Palavra do Pai “Este é o meu Filho muito amado“; ao Espírito que o conduziu ao deserto do discernimento da sua missão, vencendo a tentação de um messianismo miraculoso de poder e violência; ao Espírito do Pai, com o qual vive em constante comunhão, que escuta no silêncio e que lhe permite apresentar-se como Filho de Deus, que vem para fazer a sua vontade de amor e de salvação; ao Espírito que Ele derrama do alto da cruz sobre Maria e o discípulo amado, como dom supremo e recriador da sua vida e da sua morte redentoras. É desse Espírito que somos também nós todos filhos pelo batismo e, pelo chamamento e imposição das mãos do bispo, constituídos sacerdotes ao serviço do povo de Deus.

Manter e viver desta comunhão com o Espírito é a primeira atitude e o primeiro passo que o Senhor, Bom Pastor, nos propõe, esta manhã, na Igreja e pela Igreja. É uma comunhão feita de alegria pelo convite que Deus nos faz para a sua intimidade e o seu serviço; de abertura para escutar, cada dia a sua voz e discernir a sua vontade; de docilidade para modelar o nosso coração à imagem do seu coração manso e humilde.

Esta atitude jubilosa e reverente modela em nós um coração humilde, para reconhecer que a grandeza daquilo que fazemos não é fruto do nosso engenho ou poder, mas é dom de Deus para nós e para partilhar no serviço aos irmãos. É essa atitude que levou Maria, mãe e modelo da Igreja, a reconhecer-se como serva e pequena, para quem o Senhor olhou com ternura e através da qual realizou grandes coisas, porque Ele “derruba os poderosos e exalta os humildes“. O Espírito é alheio às nossas sumptuosidades e grandezas, mas revela-se na simplicidade, na misericórdia e no serviço que prestamos. A humildade tem de se refletir na forma de tratar os irmãos, não mostrando-se como senhores, donos e dominadores de ninguém ou da comunidade, mas como irmãos e servos, segundo aquilo que o Senhor nos mostrou e nos mandou. Servos diligentes, capazes e competentes, que não se demitem das suas funções de orientar, presidir e ensinar, mas que, em tudo isso, fazem transparecer a brisa suave do Espírito que transforma, que cura as feridas, e que produz, como em Maria, nossa mãe e modelo, a humildade e o serviço alegre e generoso.

Em segundo lugar, Jesus afirma, citando o profeta Isaías: “o Senhor me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres. Enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos e a proclamar um ano favorável da parte do Senhor“. Da transformação operada pela unção com o óleo do Espírito o ser humano é receado à imagem da própria Trindade. Torna-se um ser novo, não apenas em sentimentos e modo de pensar, mas sobretudo em atitudes modeladas pelo próprio coração de Deus: pessoas de coração e gestos de acolhimento, reconciliação, comunhão e misericórdia. De contrário, a nossa vida é uma mentira, a nossa palavra é “bronze que soa… nada somos… de nada aproveitamos“, como diz o apóstolo Paulo (1Co 13).

Ungidos pelo óleo do crisma que hoje consagramos, somos chamados a ser homens de relação amiga, segundo o Espírito, antes de mais no nosso presbitério, construindo o amor fraterno, a reconciliação e o perdão, de modo que a unidade dos presbíteros seja odor perfumado do óleo com que fomos ungidos e testemunho da presença do Espírito do Senhor ressuscitado, que orou ao Pai pela nossa unidade. Fugir a esta comunhão com os outros irmãos presbíteros, com o bispo e com o papa, sucessor de Pedro, ou atentar contra ela é colocar-se fora desta preocupação do Senhor, fora da comunhão da Igreja.

O dom do Espírito, através do óleo com que fomos ungidos, torna-se sempre uma missão, um anúncio. Transforma-nos em expressão do amor misericordioso de Deus revelado em Jesus nosso Mestre. Por Ele modelamos o nosso coração e as nossas atitudes: compaixão pelas multidões; sensibilidade pelos famintos e os que sofrem, entusiasmo e apoio pelos que estão a crescer, esperança para os que peregrinam; acolhimento de todos, particularmente os mais pobres, sofredores e pecadores. Assim é que somos transparência de Jesus nas nossas comunidades e no mundo.

Neste tempo em que a nossa Igreja dedica especial atenção aos jovens, este permanente desafio da nossa vocação assume particular significado. Queremos ser uma Igreja que assume o papel de mãe acolhedora e encorajadora para com os seus filhos mais jovens. Que eles possam encontrar em nós um caminho para escutar e encontrar a voz, o timbre, os gestos do Bom Pastor que os acolhe, os chama, orienta e desafia. Que, através da nossa ação de irmãos e pastores, as nossas comunidades sejam lugares acolhedores, desafiadores e promotores da responsabilidade e dinamismo que o Espírito dá aos nossos jovens para poderem construir a sua vida e a vida da Igreja e da humanidade.

A concluir, desejo agradecer ao Senhor, Bom Pastor, com esta Igreja de Setúbal, pelo dom dos presbíteros que nos concedeu; por cada um de vós, através dos quais Ele se torna presente nas nossas comunidades e na sociedade. Ele sabe que não somos perfeitos, como não o eram os seus primeiros discípulos. Mas conhece o coração de cada um e promove a comunhão que nos une no serviço a que nos destinou. Quero agradecer os gestos de comunhão e de solidariedade sacerdotal perante as dificuldades que vão surgindo, bem como o esforço de buscar novos caminhos de evangelização e de missão a que o Senhor nos chama, nestes tempos complexos e desafiadores. Bem hajam, irmãos, por fazerdes frutificar os dons que o Senhor vos confia em favor dos irmãos. Agradeço também pelos Diáconos que se unem a este ministério e o enriquecem com o seu generoso serviço. Agradeço pelos seminaristas e pré-seminaristas que discernem o seu caminho na Igreja e peço ao Senhor que seja Ele a conduzi-los com a luz do seu Espírito.

E a vós todos, irmãos e irmãs, peço que louveis sempre o Senhor, pelo bispo e por estes irmãos que Ele chamou para o vosso serviço e que peçais sempre por nós, para que sejamos santos na unidade do Espírito a fim de sermos para vós e para toda a Igreja, testemunhas e instrumentos de comunhão, de serviço evangélico e de anúncio credível do Evangelho.

É com estes sentimentos que convido os irmãos presbíteros a renovar as promessas do sacerdócio ao serviço do povo que lhes está confiado.

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Agência ECCLESIA

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