Padre e cirurgião Aldo Marchesini refere que é tempo de malária, «haverá cólera com muita facilidade» e doenças respiratórias
Lisboa, 20 mar 2019 (Ecclesia) – O missionário e cirurgião Aldo Marchesini, religioso dehoniano há mais de 40 anos em Moçambique, disse hoje à Agência ECCLESIA que espera “complicações” de saúde na população, após as inundações e destruição provocadas pelo ciclone Idai.
“É o tempo da malária, os abastecimentos de stocks de antimaláricos são limitados; depois haverá cólera com muita facilidade; depois doenças respiratórias, especialmente nas crianças”, explicou em entrevista à Agência ECCLESIA, durante uma passagem por Lisboa.
O padre Aldo Marchesini alerta para outro “problema muito grave”, a fome, com milhares de pessoas desalojadas, “arrumadas na rua”, que irão para tendas.
“É um desastre impressionante. Um desastre como nunca houve igual em Moçambique”, observa o missionário italiano que viajou um dia depois da passagem do Idai.
O presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, anunciou esta terça-feira que mais de 200 pessoas morreram e 350 mil “estão em situação de risco”, tendo decretado o estado de emergência e três dias de luto nacional, até sexta-feira.
A região mais afetada foi a Beira, onde o padre Aldo Marchesini já esteve em trabalho, durante algumas semanas, uma cidade com boas construções, como os prédios, mas também uma “grande área de construções precárias, pequenas”, palhotas com teto de zinco que são “confortáveis, mas frágeis”, desbaratadas pelo vento.
“Vimos dois ou três telejornais moçambicanos. Quando cheguei a Lisboa dei conta que a gravidade da situação é muito maior do que se podia imaginar”, acrescentou, salientando devido à “chuva intensa” a “situação vai agravar-se” quando abrirem as barragens no Zimbábue e em Moçambique.
O religioso dehoniano está no país lusófono desde 1974, depois de ter estado um ano a estudar Medicina Tropical em Lisboa, e fala num “povo extraordinário” que sabe “enfrentar situações desastrosas” e, ao longo destes anos, “sempre houve desgraças”, com a guerra, inundações, a miséria e a fome, o “desastre financeiro da nação com dívidas enormes”.
O povo tem capacidade de suportar, capacidade de se adaptar a situações extremas mas com dificuldade, o sofrimento não se elimina, só cresce a capacidade de suportar. Este povo é um grande exemplo de maturidade humana”.
O padre Aldo Marchesini diz que “as pessoas” são o que mais gosta em Moçambique, um povo capaz de “suportar situações extremas”, sobretudo, “a pobreza levada com dignidade, com silêncio”.
Na vida de médico, esscolhe a “experiência dos últimos anos a mais importante”, tratar um grupo específico de doentes “com fístulas vesico-vaginais”, dezenas de milhares de mulheres que “são rejeitadas, mesmo na família, não praticam vida comunitária”.
“Pouco a pouco, começou a exigência de formar médicos moçambicanos capazes de aprender esta operação, e é esta minha principal atividade. Agora em Moçambique tratam-se as fístulas vesico-vaginais e é para mim uma satisfação extraordinária”, explica, adiantando que com os seus colegas médicos, que foram seus alunos, têm “85 por cento de sucesso”.
Em 2014, o sacerdote e médico foi distinguido pelas Nações Unidas com o ‘World Population Award’, depois de ter sido nomeado pela ONG moçambicana Fórum Mulher.
O missionário italiano foi infetado com o HIV ao operar a uma mulher seropositiva que estava a dar à luz e descobriu “que era doente em 2003”, tendo começado “o tratamento antirretroviral” na Itália.
Uma situação que o deixou desconfortável, questionando sobre “as outras milhares de pessoas que lá estão”, sem tratamento médico ao HIV/SIDA.
“Tudo gerou em mim uma reconsideração de quem sou, o que faço e considero isto a graça maior que recebi na minha vida: compreender tudo de novo, de uma forma nova, considero isto uma grande graça na minha vida”, revelou o missionário dehoniano que aos 79 anos fez uma escala em Lisboa a caminho da Itália, antes de regressar à missão em Moçambique.
CB/OC