Cuidar do Planeta?

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Insistimos ainda em fazer do cuidar do nosso planeta um dos maiores desafios da Doutrina Social da Igreja. Talvez sim, talvez não…

Os passos dados para “Salvaguardar o Ambiente” (capítulo X da Doutrina Social da Igreja) e ter este tema como parte inerente à nossa vida cristã têm sido muitos e importantes. O mais importante sendo a Encíclica do Papa Francisco Laudato Si’. Pensando na expressão “salvaguardar o ambiente,” não podemos esquecer a forte ligação que tem com a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e solidariedade, ou seja, os quatro princípios da Doutrina Social da Igreja.

O tema fez parte do recente encontro anual da Comissão Justiça e Paz, mas precede o COP 24 previsto de 2 a 14 de dezembro em Katowice na Polónia, onde as nações se encontram uma vez mais para debater e traçar iniciativas em relação ao papel da humanidade e seu estilo de vida nas alterações climáticas.

Ok. Num artigo anterior propus o exercício de pensarmos no pior cenário. Destruímos os ecossistemas da Terra a tal ponto que essa entra num cenário climático distópico, ilustrado em muitos filmes de – ditos – “entretenimento.” Tornar o planeta inabitável significa que não existem mais condições para a sobrevivência do ser humano e das espécies que co-habitam connosco. Toda a vida extingue-se. E agora?

Ao contrário das nossas curtas escalas de tempo, quando há 65 milhões de anos se deu a famosa extinção em massa que levou ao desaparecimento por completo dos dinossáurios, o planeta a seu tempo refloresceu em vida. Logo, o planeta possui uma dinâmica muito própria que encontra o seu caminho de vida no meio de toda a adversidade. Queremos, então, cuidar do planeta para quê, se ele se desenrasca muito bem sem nós, como aconteceu no passado? Talvez o cuidar do planeta não seja um desafio maior do que cuidar da nossa sobrevivência diante dos crimes ecológicos que – consciente ou inconscientemente – cometemos.

Há uma outra razão bem mais profunda para cuidar do planeta. Passa por cuidar do relacionamento com o mundo natural cujos motivos são biológicos, culturais e espirituais.

Motivos biológicos

Com a Teoria da Restauração da Atenção, Rachel e Stephen Kaplan demonstraram como um contacto directo com a natureza restaura a nossa capacidade de focar nas coisas e o funcionamento cognitivo do nosso cérebro. Dado o facto de vivermos na cultura mais distractiva da história da humanidade, o efeito biológico que estar com a natureza nos proporciona, deveria ser razão necessária e suficiente para cuidar do nosso planeta através de um relacionamento mais experiencial com esse. Bastaria passar mais tempo, ou passear mais pela natureza para sentir o efeito. Mas não chega.

Motivos culturais

A razão pela qual é tão difícil continuar a tomar as decisões políticas necessárias a uma interacção mais equilibrada com o ambiente é a noite cultural onde estamos imersos. O modo como a tecnologia entrou na nossa vida, e a desviou do real ao virtual, não só contribuiu para um menor contacto com o mundo natural, como informa o nosso pensamento e, consequentemente, a nossa cultura. Há que inverter a cultura do écran para uma cultura do encontro, onde nos deixamos transformar pela vida e dinâmica dos ecossistemas terrestres.

Motivos espirituais

O corpo não se dissocia do espírito, e se o corpo se afasta do bem que a natureza lhe faz, também a dimensão espiritual da nossa vida se ressente. Enquanto fixarmos o nosso entender da questão ecológica na protecção da “casa comum,” perdemos a potencialidade que existe de interpretar essa casa, não somente como o nosso planeta, mas correspondendo a toda a família da criação, incluíndo a bio- e a geodiversidade.

Fala-se ainda de sermos administradores da criação que nos foi mais confiada do que dada por Deus. Quando um administrador exerce mal a sua função, não será o momento de reconhecer que talvez não seja a sua vocação desempenhá-la? Como administradores, ou cuidadores da família da criação não temos feito um grande trabalho. Não quererá isso dizer que a nossa vocação seja outra? Qual?

Descobrir essa vocação talvez seja um desafio maior do que cuidar do planeta. A vocação é algo que faz parte da nossa identidade. E só nos relacionamentos com os outros é que descobrimos juntos aquilo que realmente somos chamados a ser. E a razão é muito simples.

Uma experiência com a natureza vai muito além da contemplação ou reconhecimento da sua beleza. Só encontra o seu sentido e significado mais profundo se for uma experiência de Deus e da Sua presença. Ao danificarmos o planeta, danificamos a possibilidade de experimentar Deus. Assim, na prática, cuidar do planeta consiste em cuidar da possibilidade de um encontro único com Deus.

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Agência ECCLESIA

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