Homilia do bispo do Porto na celebração da Paixão e Morte do Senhor

Salvação e dor

Homilia na Paixão do Senhor de 2019

Se alguma palavra pudesse resumir esta santa liturgia, escrever-se-ia com poucas letras: dor. É de dor que fala a primeira leitura, quando refere um servo de Deus “desfigurado”, “sem rosto humano”, e não é difícil imaginar a dor física e moral do Senhor covardemente atraiçoado, injustamente julgado, barbaramente chicoteado, sadicamente coroado, brutamente conduzido ao Calvário e cruelmente crucificado.

Não obstante, dizemos que por aqui passou a nossa salvação. Mas será que Jesus nos salvou porque sofreu?

Não. O Senhor salvou-nos porque nos ama e não se afastou de nós, mesmo tendo de suportar o extremo sofrimento que deveria ser nosso e passou para Ele. Não se afastou. A Redenção não depende da quantidade do sofrimento.

A Redenção acontece nesta proximidade de Deus à história humana, tecida de sangue, de suor, de lágrimas, de injustiça, de dor e de pecado. Em Jesus Cristo, Deus assume essa história e permanece connosco, mesmo quando o sofrimento se torna extremo e humanamente incompreensível.

Ao longo da sua existência biológica, Jesus não pronunciou discursos ou elaborou teorias sobre a dor. Pelo contrário, retirou a dor física e psicológica de muitos. Com a força salvífica de Deus, combateu a dor porque sempre soube viver connosco e para nós.

E precisamente por esta proximidade existencial e sentimental com o Pai e com a humanidade é que suportou e remiu o mal do mundo. O Senhor não fugiu do mundo e revela-nos que Deus é solidário com a história da humanidade.

O Pai não quer o sofrimento de ninguém. Como tal, não quer o sofrimento de Jesus. Mas preza a fidelidade e solidariedade de Jesus à humanidade. E porque esta se entrelaça com traições e misérias, o Pai permite o exercício da liberdade humana e que esta condene o Senhor. Sim, não foi Deus quem condenou o Seu Filho, mas homens bem concretos.

Como o P. Claudel, podemos dizer, portanto, que o amor de Deus não nos retira o sofrimento, mas dá um sentido ao sofrimento. E obriga-nos a fazer o que Jesus fez: estar próximo a todo o sofrimento dos outros e assumi-lo como nosso.

Sim, se foi o nosso mal, o nosso pecado e a nossa dor que Jesus carregou nos seus ombros, ser cristão -e, porventura, até ser homem- é contribuir empenhadamente para retirar a dor de todas as existências e estar por bem perto de quem é ferido pela dor para que esta diminua ou seja retirada. É que dor partilhada é dor diminuída.

Isto é cristão e é humano. Anti-humano, animalesco, diabólico é um certo sadismo que se está a apoderar da sociedade contemporânea, que sente prazer em gerar vítimas, em espezinhar o outro na sua dignidade e direito à boa fama, seja por intermédio das maiores baixezas e das criticas mais soezes, seja pelas fake news intencionais, notícias falsas e persistentes que encontram no escondimento das «redes sociais» o terreno propício para o germinar de tudo o que é torpe e em certos meios de comunicação social a caixa de ressonância para uma maior repercussão.

Estes que assim fazem são do diabo e não de Deus, pois não só não retiram a dor do mundo como, voluntariamente, ainda a implantam e acrescentam. Vivem em pecado –e pecado grave- e devem sentir-se excomungados da Igreja, comunidade dos seguidores das práticas e das atitudes do Salvador.

Caros cristãos, como vemos na Paixão e Morte de Jesus, o amor de Deus não foge do nosso sofrimento. Não é surdo à injustiça, à dor, aos gemidos e às angústias do homem. Pelo contrário, aproxima-se, assume-o e redime-o. Torna Deus presente às nossas fragilidades para colmatar a nossa pequenez. E nisto consiste a Redenção.

Que bom é sabermos que Deus está connosco! E, como diz São Paulo, “se Deus está connosco, quem poderá estar contra nós?” (Rom 8, 31).  Mas será que nós estamos do lado de Deus?

+ Manuel Linda

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