Voluntariado missionário, dinâmica solidária

Em entrevista à ECCLESIA, Patrícia Fonseca, coordenadora da Rede de Voluntariado Missionário, destaca o número recorde de 405 jovens e adultos que estão a preparar-se para prestar serviço em países mais desfavorecidos, especialmente no continente africano

A Fundação Fé e Cooperação (FEC), da Igreja Católica, revelou que  1478 pessoas vão este ano integrar projetos de voluntariado missionário dentro e fora de Portugal, sinónimo de uma “dinâmica de solidariedade” bem enraizada na sociedade.

Em entrevista à ECCLESIA, Patrícia Fonseca, coordenadora da Rede de Voluntariado Missionário, destaca o número recorde de 405 jovens e adultos que estão a preparar-se para prestar serviço em países mais desfavorecidos, especialmente no continente africano

 

Agência ECCLESIA (AE) – O que é o voluntariado missionário?

Patrícia Fonseca (PF) – O voluntariado missionário é uma tipologia muito específica de voluntariado, assemelha-se ao voluntariado para a cooperação, o voluntariado internacional, mas tem uma matriz católica.

No fundo, estes missionários integram missões católicas, muitas vezes ligadas a institutos missionários, outras ligadas a paróquias ou dioceses com cariz missionário, e trabalham em missões católicas em países em vias de desenvolvimento, sobretudo nos países de expressão portuguesa.

 

AE – Ao longos destes 25 anos, mais de 5 mil pessoas foram formadas, menos se calhar partiram. Explique-nos um pouco este processo de formação.

PF – O voluntariado missionário integra um plano de vida estruturado que estas pessoas já têm, não aparece do nada, um dia acordam e querem fazer voluntariado, faz parte do seu projeto de vida.

Como tudo aquilo que faz parte do nosso plano de vida, requer amadurecimento, reflexão, discernimento, e a formação que é dada aos voluntários é precisamente esse processo.

O voluntário, ao longo deste tempo de formação, normalmente um ano letivo, vai percebendo o que é chamado a fazer, se isso vai ao encontro do que é proposto.

Este processo de formação é este casamento, é este encontro da vontade do voluntário e da vontade de Deus, que é expressa através da organização pela qual ele é enviado.

É também este discernimento, do voluntário se quer ou não partir, e da organização perceber se ele tem ou não a capacidade de integrar as missões a que é chamado.

 

[[v,d,4046,Entrevista a Patrícia Fonseca, FEC]]AE – Uma formação que é oferecida tanto pela Fundação Fé e Cooperação como por parte das entidades a que os voluntários estão agregados.

PF – Sim, a FEC oferece um plano de formação que é sempre complementar, e eu gosto de frisar isto, ao plano de formação que cada organização oferece aos seus voluntários.

O nosso plano é curto, são cinco sessões, cinco fins-de-semana ao longo do ano mas nas organizações os voluntários têm encontros semanais, alguns quinzenais de preparação.

Os encontros da FEC, para além da complementaridade dos temas, são também um espaço de encontro entre diferentes realidades, porque apesar de serem todos voluntários missionários, têm diferentes carismas, formas de estar, porque as organizações são diferentes.

É uma forma também de se encontrarem as diferentes expressões do voluntariado missionários, naqueles fins-de-semana que normalmente congregam cerca de 40 a 50 pessoas, um espaço para perceber como é que o outro faz, como é que eu também estou a fazer.

 

AE – 61 entidades fazem parte desta Rede de Voluntariado Missionário. Apresentam diferentes projetos pastorais nos países de missão?

PF – A intervenção é muito semelhante, são sobretudo intervenções na área da educação, com jovens, com professores, com campanhas de sensibilização na área da saúde, também para determinadas doenças.

Também na área pastoral, da dinamização de comunidades cristãs, de apoio à catequese, e também muito na área da animação sociocultural das comunidades.

Quase todas as organizações trabalham nestas quatro áreas, depois a forma como trabalham e o que fazem é uma resposta às necessidades locais.

Apesar de trabalharem nas diferentes áreas, procuramos sempre ir ao encontro daquilo que a população local tem necessidade, da sua cultura, da sua forma de estar, portanto há também esta aproximação, a intervenção difere consoante a população que encontramos.

 

AE – Este ano partem 405 pessoas em missão “ad gentes”. Cá em Portugal, 1073 vão estar envolvidos em projetos de missão. Que significado representam estes números, nos dias de hoje?

PF – Quero frisar que há muitos mais voluntários em Portugal. Estes números que recolhemos são só destas organizações que integram a Rede de Voluntariado Missionário.

Do ano passado para este ano, o número de voluntários destas organizações que fazem trabalho em Portugal aumentou significativamente – o ano passado foram cerca de 600 e este ano são cerca de 1000.

Isto mostra as duas dinâmicas onde estes voluntários estão envolvidos: olham para dentro da sua casa, aqueles que trabalham em Portugal, para as dificuldades do país, sobretudo nas aldeias mais isoladas.

O trabalho é muito feito com os idosos que vivem sozinhos e também com as crianças que nesta altura das férias não saem e estão nas suas aldeias.

Mas também têm outra dinâmica que é olhar para fora, para aquilo que nós não conseguimos ver com os nossos olhos mas sabemos que existe, e porque sabemos que existe queremos intervir.

Acho muito interessante esta dupla dinâmica, de olhar para dentro mas também para fora.

 

AE – Este é um número que se tem consolidado, no voluntariado missionário em Portugal?

PF – Sim, todos os anos vão cada vez mais voluntários, do ano passado para este ano vão mais ou menos os mesmos, cerca de 400, mas há cinco anos iam cento e poucos, não chegavam a 200, e há 25 anos foram os primeiros 9.

Olhar para trás e perceber que no primeiro ano partiram 9 e 25 anos depois já são mais de cinco mil é uma dinâmica crescente mas também é uma dinâmica consolidada.

 Não interessa crescer só para sermos muitos, interessa crescer para que as comunidades com quem trabalhamos possam ter mais apoio, se possam desenvolver e elas próprias crescerem.

 

AE – Sendo o voluntariado missionário uma marca da Igreja, tem uma matriz cristã, pode-se dizer que estas quase 1500 pessoas que este ano estão envolvidas em projetos de missão assumiram a sua vocação batismal?

PF – Disso não tenho muitas dúvidas, é um voluntariado de matriz cristã e estes voluntários ou leigos assumem a sua condição de batizados, é nessa condição que querem intervir.

É este ponto que nos distingue do voluntariado para a cooperação, é o assumirmos a nossa condição de batizados e o querermos fazer como Jesus fez. No fundo, a vida de Jesus Cristo é a gramática que estes voluntários têm para a sua intervenção.

 

AE – Olhando para dados que a Rede de Voluntariado Missionário, através da FEC, lançou recentemente, eles referem que muitos pediram licença sem vencimento para partir, 20 por cento estão empregados e vão usar as suas férias de verão para estarem envolvidos nestes projetos missionários. O que é que isto nos diz?

PF – É curioso porque normalmente temos a ideia de férias, de querer descansar, ir para a praia, não fazer nada, e há muita gente que tem um conceito de férias diferente, de se colocar ao serviço e de doar aquilo que tem, que é tempo e conhecimento.

Significa esta dinâmica de solidariedade, de encontro com o outro, e é interessante também perceber que sobretudo entre aquelas que vão por períodos maiores, de um ano ou dois, há um número ainda significativo que se desemprega para partirem em missão.

Quando voltar não sabe o que vai encontrar, se vai ter emprego, se não vai, nesta situação que vivemos é possível que não tenha, mas ainda assim toma esta opção que não deixa de ser radical, de hoje deixarmos o nosso emprego para participarmos num projeto de solidariedade.

 

AE – Olhando para a forma como acompanha esta dinâmica do voluntariado missionário, pode-se dizer que tem marcado a própria forma como a Igreja e a própria sociedade olham para o voluntariado.

PF – Sim, nós somos sempre aliciados por esta questão do voluntariado missionário, gera sempre muita curiosidade, porque é que os jovens partem, se é uma questão de aventura, se é para acumularem experiências.

Aquilo que nós vamos percebendo é que o voluntariado missionário responde a um projeto de vida, que é dos voluntários e que é também o projeto de vida que Deus tem para estas pessoas.

Neste sentido vai marcando a vida da Igreja, porque vai tendo cada vez, de ano para ano, alguma expressão e algum significado.

 

AE – Dos voluntários que partem, que relatos é que lhes chegam depois destas experiências de um mês ou de um ano. O que é que lhe dizem?

PF – Que querem voltar, que aprenderam muito mais do que aquilo que deram, esta é a frase que mais se ouve.

Os voluntários sentem que têm muito a dar, sobretudo ao nível do conhecimento, mas aquilo que recebem do ponto de vista afetivo, emocional, de relação, é muito maior do que aquilo que à partida esperavam.

Nesse sentido, sentem que aquilo que recebem das pessoas com quem trabalham é muito mais do que aquilo que dão.

Mas também aprendem outras formas de ser, de estar, valorizam muito mais recursos naturais como a água. Aqui basta abrir a torneira e temos água, mas nestas comunidades onde os voluntários trabalham muitas vezes têm de fazer muitos quilómetros a pé para terem água para beber, para se lavarem ou para cozinhar.

Portanto há esta valorização dos recursos e esta noção das interdependências e do mundo global em que vivemos.

 

AE – Porque os projetos são pensados em parceria com as comunidades locais, que recebem os voluntários, é importante também perceber de que forma é que essas próprias comunidades recebem ou percebem mudanças de intervenção. Que relatos é que vos chegam?

PF – Das comunidades há sempre a alegria grande de terem voluntários e pessoas de fora a trabalhar, a ajudar na dinâmica. Mas é preciso também perceber que os voluntários, mesmo aqueles que estão num período maior, um ou dois anos, é um período curto na vida das pessoas e das comunidades.

Aquilo que é muito valorizado nas comunidades é a presença da Igreja Católica, das missões católicas no terreno.

E porque os voluntários integram estas missões, nunca podemos desvincular a ação dos voluntários destas missões católicas, de padres, de irmãs, que estão todos os dias, há muitos anos, 30, 40 anos, no terreno.

Portanto, a experiência de um ano, dois anos, dos voluntários é valorizada pelas pessoas, mas mais do que isso é a presença contínua da comunidade católica, das missões católicas.

LS/JCP

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