Viver a Quaresma com S. Paulo

Estimados diocesanos: 1 – Sentimos alguma inibição em redigir esta mensagem quaresmal, tantas são já as dificuldades das pessoas e das famílias. Mas, na história da salvação, essas dificuldades são um apelo a uma reflexão pessoal e colectiva e a Quaresma é o tempo propício para isso. Aliás, essas dificuldades frequentemente nasceram da ausência de espírito quaresmal das pessoas e das instituições. O objectivo geral da Quaresma é ensinar-nos a colocar a Páscoa no centro da nossa vida, da vida da Igreja, de todos os Domingos e dos sacramentos. Neste ano S. Paulo será nosso guia. É sabido que Saulo se converteu por uma aparição de Jesus Ressuscitado que, de repente, lhe fez compreender o seu mistério da sua morte, e Paulo fez desse mistério o centro da sua vida pessoal e das suas comunidades, proclamando que «nada mais sabe a não ser Jesus Cristo e Cristo crucificado», que «traz no seu corpo as chagas de Jesus», que «é nas fraquezas que se manifesta o poder da graça». Nas suas cartas Paulo fala da morte e ressurreição como inseparáveis, e aí vai buscar a alegria do Baptismo, a força do Espírito Santo (Crisma), o segredo da «fracção do pão» (Eucaristia), o perdão dos pecados (Reconciliação), o conforto dos Doentes, o ministério dos pastores da Igreja (Ordem), a beleza do Matrimónio, a base da Virgindade consagrada e do Celibato, a esperança dos Defuntos, o sentido da colecta em favor dos pobres, a coragem no dia a dia, a dignidade do corpo, da sexualidade e do matrimónio, a maldade da escravidão, e aí encontrará força para aceitar contrariedades, riscos e fracassos, sentir a paz na doença, nas prisões e no martírio. 2 – A tentação de separar a morte da ressurreição já existia no tempo de S. Paulo. Eram os «inimigos da cruz de Cristo» (Filip. 3,18), que sonhavam com uma religião fácil e harmonizada com a sabedoria do mundo, que podemos chamar uma Páscoa sem Quaresma. Sem uma Quaresma de conversão, a Páscoa reduzir-se-ia a uma vulgar festa religiosa e social e o cristão a um homem de romarias, sem oração nem sacramentos, com uma vida de casado sem humildade nem perdão, e uma educação dos filhos sem exigências, a fazer uma catequese sem missa. Para a educação da centralidade da integridade do mistério pascal aconselha-se a colocar em relevo, durante a Quaresma, o Crucifixo pascal, nas igrejas e nas casas de família, nas escolas e nos lares de idosos, e a venerar os cruzeiros dos largos públicos. As mães e educadores estejam atentas aos gestos, desenhos e sentimentos das crianças e ensinem-nas a fazer com afecto o sinal da cruz como sinal de Jesus morto e ressuscitado, retirando-lhes o medo inicial que possam sentir. Também o adorno discreto do corpo com uma cruz pode ser educativo. 3 – Um exercício fundamental na Quaresma é ouvir a Palavra de Deus e, a partir dela, rever a vida pessoal e colectiva e descobrir o sentido dos acontecimentos do mundo, tornando-os redentores. Perceberemos que só Deus é o Criador e Senhor da vida e que, fora dos seus caminhos, será em vão que se constrói a cidade ainda que usem processos chamados democráticos. Descobriremos a realidade do que se dizia ter desaparecido há muito – o pecado. O pecado não é um fantasma ao lado da vida, mas são os próprios actos humanos e sociais que se apresentam disfarçados com os nomes civis de crises sociais, liberdades, autonomia pessoal e relativismo. A palavra de Deus descobre-lhes o rosto e chama-lhes «pecado», «estruturas de pecado» a pedirem mudança de vida. Para despertar a atenção, convém colocar de modo visível, no interior da igreja e em casa, uma Bíblia, e ler os textos paulinos fundamentais A seguir, rezar mais e melhor, sozinho e em grupo, em família e na igreja, pedindo perdão pelo mal que se fez e pelo bem que se omitiu, luz para ver o caminho a percorrer e coragem para agir. Da oração quaresmal farão parte a Missa, a Reconciliação e a Via-Sacra. 4 – Outro exercício da Quaresma é a partilha de alguns bens com aqueles que têm menos que nós, como vem no Evangelho e na acção de S. Paulo. O jejum cristão não é dieta de elegância e moda, de estética e desporto, de terapia ou convalescença, e muito menos desprezo pelo corpo ou sinal de tristeza, mas um gesto de amor às pessoas e comunidades cristãs, retirando algo da nossa boca para as ajudar. O jejum cristão é o que Jesus dizia dever ser acompanhado de «perfume no rosto», a alegria espiritual. O jejum quaresmal ensinar-nos-á também a pôr ordem na vida pessoal, a evitar uma certa «vadiagem» de comportamento, a ser senhores da nossa vontade, a disciplinar o tempo, a saber viver na pobreza e na abundância, a dispensar televisão e bailes e a Internet, dizendo como Paulo, «disciplino o meu corpo e mantenho-o na obediência», «completo na minha carne o que falta à Paixão de Cristo em favor do seu corpo que é a Igreja». Os párocos organizarão a colecta oficial e a recolha da renúncia quaresmal num Domingo da Quaresma, cujo produto será entregue, em partes iguais, às duas obras diocesanas, ao «Projecto Homem» e à associação diocesana «Via Nova», dedicadas respectivamente, ao serviço de recuperação de jovens toxicodependentes e à formação de adolescentes em risco. Com S. Paulo, desejamos que esta Quaresma proporcione uma maior intimidade com Jesus morto e ressuscitado, e assim nos prepare para celebrar com alegria a Páscoa do Senhor. Com dedicação e estima pessoal, Bispo de Vila Real, Joaquim Gonçalves, Bispo Coadjutor, Amândio José Tomás.

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