Vivências, preocupações e desafios de D. Manuel Felício

Entrevista do jornal «A Guarda» ao Bispo diocesano, por ocasião dos três anos de nomeação para Bispo Coadjutor da Diocese da Guarda No dia 16 de Janeiro de 2008 assinalaram-se três anos da nomeação de D. Manuel da Rocha Felício para Bispo Coadjutor da Diocese da Guarda. Natural de Mamouros, concelho de Castro Daire, distrito de Viseu, D. Manuel Felício diz conhecer a realidade da Diocese da Guarda desde há vários anos. Em jeito de balanço dá a conhecer as vivências, as preocupações e os desafios como Bispo da Diocese da Guarda. A Guarda: Nomeado há 3 anos para a Diocese da Guarda, que avaliação global faz desta nossa Diocese? D. Manuel Felício: Não conheço a Diocese da Guarda apenas há três anos, pois desde o ano de 1990 que, enquanto membro da Equipa Formadora do Seminário Maior de Viseu, tinha encontros regulares com a Equipa formadora do Seminário Maior da Guarda; mais tarde e sobretudo a partir de 1998, como Director e Professor do Instituto Superior de Teologia, também frequentado pelo Seminaristas do Seminário Maior da Guarda, conheci grande parte dos padres mais novos que actualmente temos no nosso Presbitério Diocesano. Posso, por isso, dizer que foi maior a surpresa que tive quando fui nomeado Bispo Auxilair de Lisboa em Outubro de 2002 do que aquela com que recebi a notícia da nomeação para a Diocese da Guarda. Neste momento faço uma avaliação muito positiva da nossa Diocese, da sua identidade e das suas potencialidades. Para ilustrar esta avaliação positiva refiro apenas que a Diocese da Guarda foi, ao longo do século XX, um verdadeiro alfobre de vocações sacerdotais, religiosas e missionárias, as quais neste momento se encontram espalhadas por todo o nosso país e mesmo por várias partes do mundo, particularmente em terras de missão “ad gentes”. E, a título de exemplo, acrescento que cerca de metade dos padres do Presbitério da Arquidiocese de Évora é originária da nossa Diocese, a começar pelo seu actual Arcebispo, D. José Francisco Sanches Alves, que é natural da freguesia de Lageosa da Raia, concelho do Sabugal. Sinto também que há hábitos de vivência da Fé profundamente arreigados na alma das nossas gentes, como é o caso do Lausperene e a valorização de tempos fortes como a Quaresma, o mês de Maio e outros; sinto também na generalidade dos fiéis cristãos da nossa Diocese um grande apreço pelos sacerdotes e pelo Bispo Diocesano. Para ilustrar este último ponto, recordo que, nas visitas pastorais que até agora fiz a todas as paróquias de 5 arciprestados, qualquer que tenha sido a hora da minha chegada, encontrei sempre clima de festa e muitas pessoas a esperar-me. A Guarda: A propósito das Visitas Pastorais que acaba de referir, diga-nos o que pretende com elas, como as costuma programar e que avaliação faz daquelas que até agora já realizou? D. Manuel Felício: Tenho procurado utilizá-las como oportunidade para contactar ao vivo com as comunidades da Fé, rezar com o nosso Povo Cristão, verificar as suas potencialidades, auscultar os seus anseios e quanto possível delinear novos objectivos pastorais ou reconfigurar e remotivar os que já existem. Isto de acordo com o que é recomendado no Directório para o Ministério Pastoral dos Bispos. Decidi realizar as Visitas Pastorais por arciprestados e da sua preparação tem constado encontro com os respectivos párocos e seus mais directos colaboradores, a recolha de uma primeira informação sobre a realidade socio-pastoral de cada paróquia, a definição de um calendário; o anúncio atempadamente feito de cada visita, com programa, quanto possível pormenorizado. Desloco-me depois a cada paróquia num dia de semana para cumprir o programa previamente anunciado, começando sempre por um momento de oração na Igreja Paroquial, vou a todos os lugares de culto nela existentes e outros lugares e equipamentos com importância para a pastoral paroquial, contacto com todas as instituições da Igreja e agentes da pastoral paroquial; disponibilizo-me para dialogar com todas as instituições da terra, a começar pelo Junta de Freguesia sobre a vida das pessoas, dando espcial atenção ao património e às potencialidades próprias do lugar, celebro a Eucaristia pelas intenções das pessoas da terra e lembro, em oração de sufrágio, os falecidos, quanto possível incluindo romagem ao cemitério. No domingo seguinte volto à mesma Paróquia para celebrar a Missa Dominical e dar as orientações pastorais, que ficam registadas por escrito em livro próprio da paróquia. Até agora fiz visitas pastorais a cinco arciprestados, tendo-me deslocado, em pelo menos dois dias diferentes, a cada uma das suas mais de 100 paróquias. A avaliação que faço é muito positiva, porque assim tenho podido identificar tanto as reais potencialidades existentes, como também algumas dificuldades. Entre essas dificuldades, sublinho, em particular, a falta de crianças em várias das paróquias visitadas, com muitas escolas primárias desactivadas. Também julgo que as orientações pastorais que vou deixando, depois de diálogo com os párocos e seus mais directos colaboradores, podem ajudar a definir novos caminhos de acção pastoral para essas paróquias e para o arciprestado em que se inserem. A Guarda: E quanto a agentes pastorais e serviços diocesanos centrais para garantir o funcionamento das paróquias e da mesma Diocese, que nos pode dizer? D. Manuel Felício: Sobre isso, desejo começar por sublinhar, com muita satisfação, que encontrei na nossa Diocese um Presbitério cujos padres, de modo geral, têm boa preparação teológica e pastoral e também são muito generosos. A sua generosidade fica mais do que provada, se lembrarmos que temos 361 paróquias para um activo de 115 párocos, tantos são aqueles que neste momento existem. É certo que o Padre hoje, por força da própria eclesiologia do Vaticano II e pelo estatuto que lhe conferem as novas orientações daí decorrentes, não pode continuar a ser aquele que faz tudo, como acontecia há 30/40 anos atrás. E felizmente que encontrei na nossa Diocese umas centenas largas de leigos com boa preparação básica, adquirida sobretudo na Escola Teológica de Leigos, que funciona, desde há anos na nossa Diocese, nos arciprestados e em espaços inter-arciprestais; encontrei também 27 comunidades religiosas, às qais, por sinal, estou agora a fazer a visita “canónica” e ainda mais de duas dezenas de casas da Liga dos Servos de Jesus também espalhadas pela Diocese. Acrescentem-se ainda os 8 diáconos permanentes que temos na Diocese, a partir de há pouco mais de um ano. Falta-nos agora – e reconheço que nesta matéria temos ainda um longo caminho para andar – fazer a devida articulação destes vários agentes pastorais. E esta é, sem dúvida, uma das minhas principais preocupações que estou a procurar passar quer aos nossos padres, quer aos órgãos de aconselhamento e preparação das decisões que temos na Diocese. A Guarda: Como avalia a logística e os equipamentos pastorais que a Diocese possui e a sua capacidade de resposta à pastoral dos novos tempos? D. Manuel Felício: Perante esta pergunta, quero, antes de mais, dar graças a Deus por ter havido na história da nossa Diocese quem tenha cuidado os espaços físicos da logística para as actividades pastorais a fim de que ela, tanto nos seus serviços centrais como nos paroquiais, pudesse cumprir a missão que lhe foi confiada. É assim que, pelas paróquias, temos muitos lugares de culto. E posso dizer que, quase sem excepções, eles estão bem cuidados e a espelhar. Também em geral, cada Paróquia, para além da Igreja Paroquial e outros lugares de culto, possui a Casa Paroquial ou o Salão Paroquial ou simplesmente anexos da Igreja para fins diferentes do culto. Com alguma frequência, estes outros espaços, a começar pela Casa Paroquial, não estão tão bem cuidados como as Igrejas e Capelas, isso é verdade. E a justificação mais frequente que tenho encontrado é que ou não há pároco residente, como acontecia há alguns anos atrás ou não há crianças na catequese. Perante situações destas, que me têm aparecido sobretudo no decorrer das visitas pastorais, a mensagem que procuro transmitir é que cada Paróquia para além dos espaços de culto, tem de possuir quanto possível, espaços para outras finalidades, como é o atendimento às pessoas, a formação, que não pode destinar-se só a crianças, mas a todas as idades, o arquivo e arrumos, para além de sede dos diferentes serviços paroquiais. A nível de serviços centrais e de zona, encontrei a nossa Diocese, de modo geral, igualmente bem equipada. Assim, na cidade da Guarda, temos o Centro Apostólico “D. João de Oliveira Matos” e espaços disponibilizados e bem equipados no nosso Seminário Maior sobretudo para a formação e sede de serviços centrais Diocesanos. A Casa da Acção Católica, situada no centro da cidade e na sua zona histórica, tem neste momento projecto de remodelação para vir a servir simultaneamente a pastoral da cidade (Paróquias de Sé e S. Vicente) e movimentos diocesanos. Precisamos de remodelar a Cúria Diocesana e o Paço Episcopal, o que esperamos seja possível acontecer em breve. Também as instalações do antigo Colégio de S. José, que só em parte estão a ser utilizadas, constituem uma outra possibilidade para a pastoral Diocesana. A zona sul da Diocese, apesar de ser a mais densamente povoada, neste momento, temos de o reconhecer, precisa de uma logística mais adequada para seus serviços pastorais. Esperamos que isso possa vir a acontecer, a partir do nosso Seminário Menor do Fundão, que foi programado para receber centenas de alunos. À semelhança do que já aconteceu no nosso Seminário Maior, poderá certamente ser possível reorganizar os espaços do Seminário do Fundão, contando com residência para os seminaristas e também logística para outros serviços pastorais da respectiva zona. A Guarda: Sabemos que esteve há poucos meses, com todo o Episcopado Portugês em visita “ad limina”. Das interpelações que o Santo Padre fez à Igreja em Portugal, quais são as que se aplicam mais directamente à nossa Diocese? D. Manuel Felício: O Santo Padre pediu-nos que cuidássemos a Iniciação Cristã, partindo da verificação de que cresce entre nós o número de católicos não praticantes. Ora, desde há cerca de um ano e meio a esta parte que, na nossa Diocese, estivemos envolvidos num longo processo de elaborar normas fundamentais para a prática da Iniciação Cristã nas comunidades paroquiais da nossa Diocese. Como conclusão desse processo, acabámos de publicar um pequeno livro com o título de Orientações pastorais para a prática da Iniciação Cristã (Outubro de 2007). O apelo do Papa sobre este assunto veio reforçar a opção que tínhamos feito um ano antes. O Papa pediu também para a Igreja em Portugal uma nova mentalidade e uma nova organização e apontou como seu ponto de partida uma melhor articulação entre os distintos ministérios e serviços eclesiais. Julgo que esta interpelação do Papa significa que também para nós a necessidade de encontrar novos caminhos e novas formas de exercer a complementaridade entre os sacerdotes, os diáconos permanentes, o significativo número de leigos que temos preparados doutrinal e pastoralmente, assim como as comunidades de religiosos e religiosas e as casas da nossa Liga dos Servos de Jesus. Significa ainda, em meu entender, que precisamos de programar e realizar a nossa acção pastoral a partir de espaços mais abrangentes do que cada uma das nossas paróquias, o que implica a reorganização da Diocese a partir de unidades pastorais, dos arciprestados e das 4 zonas que já temos. A Guarda: Na última Mensagem de Natal, levantou algumas questões relacionadas com o desenvolvimento desta região do país. Em seu entender, o que é que seria necessário para que esta zona se tornasse atractiva para os investidores? D. Manuel Felício: Já foram anunciadas algumas medidas tendentes a atrair investimentos para a nossa terra, como sejam incentivos fiscais e agora a inauguração de uma área de implantação de empresas. Temo que essas medidas não cheguem, receio aliás manifestado pelo Sr. Presidente da República, aquando da sua recente visita à Guarda. A discriminação positiva tinha de ser mais visível e estender-se muito mais à canalização para estes meios das disponibilidades financeiras previstas no quadro comunitário de apoio que vigora até 2013. Todavia muito mais do que importar empresas, julgo que é necessário apostar na capacidade dos nossos jovens e incentivá-los a montar as suas próprias empresas, disponibilizando apoios não só financeiros, mas também de esclarecimento e acompanhamento dos mesmos na fase de criação dos seus próprios empregos. Felizmente que temos, nesta matéria, algumas boas práticas. Da Guarda e das suas escolas sempre saíram cabeças que, em muitos pontos do país e mesmo na Administração Central, têm dado muito boa conta de si. É preciso continuar a apostar nelas para travar a sangria da população activa que, de facto, se está a verificar nos nossos meios, com fuga para os grandes centros, os únicos onde supostamente continua a haver oferta de emprego. A Guarda: Como avalia o património de arte cristã da nossa Diocese? Como está a ser tratado, como pode interessar o Turismo Religioso e como é que o Museu de Arte Sacra e o Arquivo Diocesano podem vir a ser instrumentos valorizados ao serviço deste património e do bem da comunidade local? D. Manuel Felício: Verifico que temos um património riquíssimo e muito valioso que pode constituir importante alavanca no desenvolvimento dos nossos meios. E certamente que o Turismo Religioso é um bem para as nossas terras que está longe de se encontrar devidamente desenvolvido e valorizado, nomeadamente com o aproveitamento das rotas das muitas pessoas que anualmente procuram o maciço da Serra da Estrela como destino de recreio, de descanso e de lazer. É já uma pergunta recorrente aquela que sistematicamente me fazem sobre quando está pronta a rota das capelas da Serra de Estrela. Esperamos que o Museu de Arte Sacra, cujas instalações a Câmara se prepara para entregar à Diocese, dentro de um acordo que foi estabelecido já há alguns anos e que o Arquivo Diocesano em fase de organização venham a ser dois importantes instrumentos ao serviço do nosso patrimómio e consequentemente para bem das nossas gentes. Paço Episcopal? Temos preparado projecto de remodelação que já foi entregue na Câmara e esperamos que o concurso para as obras a realizar seja lançado ainda neste primeiro semestre do ano em curso. Órgão de tubos? Sem dúvida que essa é minha esperança e uma esperança para realizar a curto prazo. Há contactos nesse sentido com o GESPPAR (antigo IPPAR) e todos estamos de acordo em que esse é um passo urgente a dar para a valorização patrimonial da nossa Sé, considerada o monumento mais valioso de toda a zona de intervenção da equipa do GESPPAR de Castelo Branco, que é aquela que tutela também a nossa região. Sociedade Civil? Penso que tenho um bom relacionamento tanto com as autoridades autárquicas e outras como também com as diferentes instituições que dão vida à nossa Sociedade local. Cidade da Guarda? Vista de fora é uma cidade bonita, tanto de dia como de noite, cidade situada no cimo do monte, fazendo jus ao nome de formosa que a tradição lhe atribui. Vista por dentro, percebem-se algumas limitações, sobretudo por não ter sido definido atempadamente um projecto de ordenamento urbanístico. Esperamos que haja coragem para intervir com rigor na requalificação e até algum reordenamento do nosso valiosíssimo Centro Histórico, incluindo a zona da Judiaria. É preciso que o Centro Histórico seja encarado como oportunidade para atrair pessoas, passando, assim, a ser factor de desenvolvimento. Desejos para 2008? Que se consolide a paz no Médio Oriente; que a guerra termine no Iraque; que o Paquistão encontre caminhos de tranquilidade e que o terrorismo possa terminar. Opções pastorais para os próximos tempos? “A nossa aposta julgo que tem de continuar a ser na formação cristã dirigida a todas as idades e quanto possível a começar pelos adultos. Pelo segundo ano consecutivo, temos o nosso programa pastoral diocesano voltado para esta formação cristã dos adultos feita a partir do catecismo da Igreja Católica. Sentimos também que é preciso aprofundar ainda mais esta formação para todas as idades, motivando seriamente a Iniciação Cristã, a qual para uns será feita no processo catequético previsto até ao final da adolescência; mas para outros em idades mais avançadas. O importante é que as nossas comunidades paroquiais, cada uma por si mesma ou associadas em espaços mais alargados, se empenhem na evangelização, seja de primeiro anúncio, seja na fase de Iniciação Cristã propriamente dita, seja em acções de missão dirigidas aos que estão fora. Para cumprirmos estes objectivos, precisamos de continuar a preparar agentes pastorais e, ao mesmo tempo, de abrir as portas a novas formas de desenvolver a actividade evangelizadora, como são, por exemplo, as dos novos movimentos eclesiais. Precisamos de fazer passar a mensagem a todos os nossos cristãos de que não pode haver vida de Fé sem formação permanente na Fé e a mesma obrigação que todos temos de participar na Missa ao domingo temo-la igualmente para participar nas acções de formação programadas pelas paróquias ou grupos de paróquias. Só assim levamos a sério o apelo à prática da nova evangelização que nos continua a ser insistentemente feito. Uma outra opção pastoral que nunca está completamente cumprida é a promoção das vocações sacerdotais. Sabemos que sem padres que celebrem a Eucaristia e orientem o Povo em nome de Cristo, a Igreja não teria futuro. Daí a importância que temos de continuar a dar ao nosso Seminário Maior, ao nosso Seminário Menor e ao Pré-Seminário ou Seminário em família. Também sinto que há potencialidades próprias desta Diocese que é preciso desenvolver e aproveitar ainda mais para a evangelizção e o anúncio e vivência da Fé. Uma delas é o maciço da Serra de Estrela, à volta do qual esta nossa Diocese se organiza. Já aí estamos presentes em três espaços. Refiro-me às Penhas da Saúde, com Casa de acolhimento e Igreja; à Torre, com a Capela de Nossa Senhora do Ar e às Penhas Douradas, também com Casa de acolhimento e Capela de Nossa Senhora da Estrela. Sinto que temos de continuar a revalorizar esta presença”.

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