Viseu: Homilia de D. António Luciano na Sexta-feira Santa

O mistério do Sofrimento e a mensagem da Cruz. O Crucificado e a Morte de Jesus como dom de entrega e salvação.

Na Liturgia de Sexta-Feira Santa a Igreja evoca a morte de Jesus e os cristãos celebram um dia de jejum, de penitência, de despojamento, de perdão, de escuta da Paixão do Senhor, de oração por todos, de adoração da Cruz e de comunhão do Corpo de Jesus, presente na Santíssima Eucaristia.

Tudo termina em silêncio, em clima de fé e adoração, para guardar no coração o grande tesouro escondido, Jesus o Salvador e Redentor do mundo.

Na Cruz Jesus Cristo foi levantado como o Salvador do Mundo, que morreu para nos salvar e dar a vida em abundância. Quando “Eu for levantado da terra, quero atrair todos a mim”.

Por nosso amor, Cristo fez-se obediente até à morte e morte de Cruz; por isso Deus o exaltou e lhe deu um nome que está acima de todos os nomes. “Jesus, o Nazareno, Rei dos Judeus”.

O processo da condenação de Jesus culmina no Calvário com a morte de Cristo na Cruz, onde o Pai exalta o Seu Filho e lhe oferece o trono da Sua realeza como fonte de salvação e de bênção.

A Cruz tornou-se a árvore da Vida para todos aqueles que lhe obedecem. Jesus na Cruz, ao ser crucificado, exalta o testemunho do Servo Sofredor de Isaías. A Igreja não cessa de proclamar: “Adoramos, Senhor, a vossa Cruz, louvamos e glorificamos a vossa ressurreição: pela árvore da vida veio a alegria ao mundo inteiro”.

À luz do Mistério da  e Morte de Cristo compreendemos melhor o dom da vida e o mistério e missão do Servo Sofredor: “Vede como vai prosperar o meu servo: subirá, elevar-se-á, será exaltado” (Is. 52,13), diante de todos.

A imagem do Servo Sofredor identificada com Cristo, ajuda-nos a entender melhor o mistério da sua vida entregue por todos, o processo da sua condenação, do sofrimento vivido e da sua paixão e morte na Cruz no Calvário. Pelo sofrimento e oblação, Jesus Cristo torna-se a imagem do Cordeiro pascal, levado ao matadouro para ser imolado.

Isaías, ao apresentar um Servo tão sofrido, “tão desfigurado”, que tinha perdido toda a aparência de um ser humano”, quer lembrar-nos de que o mistério do sofrimento e da morte fazem parte da vida de todo o ser humano. No sofrimento de Cristo, todas as dores humanas, morais, espirituais, existenciais e sociais, encontram uma resposta e remédio para curar as feridas da humanidade.

Na memória da Paixão de Cristo e dos mártires, a pessoa de Jesus ocupa a centralidade do mistério, que envolve a nossa vida, a da Igreja e a de todo o género humano. Só com Jesus no centro da nossa vida e da nossa fé a Igreja nos ajuda a celebrar o mistério de Sexta-Feira Santa, na contemplação da morte de Jesus na Cruz.

Cristo amou-nos até ao fim e deu a sua vida por nós, para que nós também possamos morrer para o pecado e ressuscitar para a vida nova da graça. Procuremos obedecer sempre à vontade do Pai para encontrarmos a luz de Deus na nossa vida. “Cristo Filho de Deus resgatou-nos com o seu Sangue: Vinde, adoremos”.

Adorar o Senhor Jesus, que foi desprezado e repelido pelos homens, condenado injustamente e ultrajado como homem de dores, embora acostumado ao sofrimento, ajuda-nos a entender melhor o mistério do sofrimento da humanidade e as suas consequências. Jesus suportou as nossas enfermidades e tomou sobre si as nossas dores, eis a grandeza da fé e a originalidade da vida cristã. Amar, sofrer e perdoar…

Jesus, o Primogénito, é a imagem do Deus invisível, Ele tem em tudo o primeiro lugar. Ele é a imagem do “homem castigado, ferido e humilhado”, que foi trespassado por causa das nossas culpas e esmagado por causa das nossas iniquidades. Caiu sobre Ele o castigo, que nos salva: “Pelas suas chagas fomos curados”.

Cristo, o Servo que aceitou o sofrimento, maltratado não abria a boca e tomou sobre si as culpas da humanidade e intercedeu por nós pecadores. Aprouve ao Senhor esmagar o seu Servo pelo sofrimento. “O justo, meu servo, justificará a muitos e tomará sobre as suas iniquidades […] tomou sobre si as culpas das multidões e intercedeu pelos pecadores” (cf. Is.52,12).

Nesta tarde de Sexta-Feira Santa, recordamos com gratidão a entrega de Cristo na Cruz, o Sumo e Eterno Sacerdote, que nos diz: “Vamos portanto cheios de confiança, ao trono da graça a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno” (cf. Hebr 4,14-16).

Contemplemos Jesus na Cruz e guardemos no coração as suas palavras como testamento espiritual: “Pai perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,33-34); “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso” ( Lc 23, 39,43); “Eis a tua Mãe!” (Jo 19, 25,27); “Meu Deus, Meu deus, porque Me abandonaste?” (Mc 15,33-34); “Tenho sede!” (Jo 19,28); “Tudo está consumado” (Jo 19,29-30); “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23, 44-46).

No alto da Cruz Jesus deu um forte brado e expirou… Façamos silêncio orante diante da morte de Jesus na cruz e entreguemos-lhe as grandes intenções da Igreja e do mundo. O fim da guerra na Terra Santa e em todos os lugares do mundo onde há conflitos. Cristo morreu na cruz para nos dar a paz e trazer à humanidade a confiança e a esperança.

“Estando já morto Jesus, diz o Evangelho, e ainda cravado na cruz, aproximou-se dele um soldado, trespassou-lhe o lado com uma lança e logo saiu água e sangue: água como símbolo do Batismo, sangue como símbolo da Eucaristia” (Catequeses de São João Crisóstomo, Bispo). Do lado aberto de Cristo nasceu a Igreja, sua esposa, por quem Cristo deu a vida. Também nós como cristãos nascemos no Calvário, porque no Batismo fomos sepultados com Cristo na morte para vivermos com Ele a glória da Ressurreição.

Rezemos nesta tarde por todos os que sofrem inocentes e morrem dando a sua vida como testemunho de fé e como mártires. Lembremos os mortos na Ucrânia, na Rússia, na Faixa de Gaza, na Palestina, em Israel, no Médio Oriente, no Haiti, na África e em todos os países do mundo onde há guerra, morte e violência a destruir a vida de tantas crianças, jovens e adultos inocentes.

Rezemos para que não morra mais ninguém inocente no mundo, porque o preço da redenção foi grande. O Filho de Deus salvou-nos, morreu na Cruz, porque nos tem amor.

Rezemos por todos os que vivem uma experiência de sofrimento e de Cruz na sua vida, quer seja na família, no hospital, numa instituição, no trabalho, no anonimato devido à exclusão e marginalização, por causa da violência, da guerra, da perseguição ou discriminação social.

A vida “enraizada em Cristo” floriu em plenitude e abundância no Calvário, onde Jesus morreu e ressuscitou para nos salvar.

Jesus Cristo, a raiz da nossa alegria, ofereceu nos no Seu Mistério Pascal uma luz de esperança para iluminar a vida dos cristãos e do mundo.

As alegrias do mundo são efêmeras… Também os sofrimentos… Que a vida de Cristo Crucificado e Ressuscitado ilumine a nossa vida e nos ajude a percorrer juntos o caminho da luz, que brotou da Cruz de Cristo.

Rezemos pelos irmãos da Terra Santa, para que se alcance a paz, e hoje partilhemos com eles as nossas ofertas para cuidar dos lugares onde Jesus nasceu, viveu e morreu para nos salvar.

Rezemos por toda a humanidade ferida e magoada, pelos pobres, pelos doentes, pelos refugiados, pelos presos e pelos condenados à morte inocentes.

Rezemos pelas famílias, pelas crianças e jovens, pelas vítimas de todo o tipo de abusos, para que Jesus as cure das suas feridas e a Igreja as acolha com um coração de Mãe.

Não nos esqueçamos de rezar sempre e com confiança: “Nós vos adoramos e bendizemos ó Jesus, pela vossa Santa Cruz remistes o mundo”. Ámen!

Viseu, 29 de março de 2024

+ António Luciano dos Santos Costa, Bispo de Viseu

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