Cónego Manuel Maria Madureira, Arquidiocese de Évora
Nos tempos que correm, a crise de identidade e o relativismo que nos rege complicam a perceção do que são as virtudes. Por causa dos muitos preconceitos, generalizou-se a ideia de que são coisas medievais – contrárias ao homem moderno, culto, presunçoso e deus de si. Pior é dizer-se que são coisas que cheiram a mofo, a sacristia, próprias de quem se refugia num moralismo de deveres e de comportamentos esclavagistas. Se eu dissesse que esta forma de pensar é um erro, não me levariam a sério e achariam, até, que estava louco. E, no entanto, é exatamente essa loucura que é preciso exorcizar, porque as virtudes, sendo clássicas, nunca deixaram de estar na moda – o que me leva a afirmar que não sou eu que estou louco, mas sim o atual relativismo que prefere essa loucura à verdadeira saúde mental. A palavra “virtude” deriva da palavra latina “virtutem” e esta tem, na sua génese etimológica, uma relação direta com outras duas: “vis” e “vir”, que significam, respetivamente, “força” e “homem” (no masculino). Inicialmente, as virtudes eram “coisas de homem”, ligadas à virilidade. Acompanhavam os lutadores, os vencedores, os que lutavam pela honra. As mulheres não eram “sujeito de virtudes”. Só depois da Idade Média é que ganharam a conotação ética e moral, fazendo parte da racionalidade bem orientada e compondo o leque da nossa existência, dando-lhe sentido e humanidade. Por isso é que, em contexto de liberdade, afirmamos que qualquer virtude assenta arraiais na força de vontade própria, com o propósito de nos fazer viver ideais. Repararam? As virtudes ajudam-nos a viver ideais! Não há virtudes inatas. Todas são adquiridas à custa de muito suor e dedicação. Enquanto hábitos bons, têm a característica da continuidade – ninguém é virtuoso às pinguinhas nem ao jeito de interesses passageiros. Exigem uma conduta adequada e correta e é nelas que se expressa o caráter de cada um. Pessoas com virtude são as que buscam cumprir com zelo as leis, aceitam com bons modos as tradições culturais e respeitam com hombridade o seu semelhante. Isto quer dizer que as virtudes são as melhores “amas de companhia” de todas as profissões, porque fomentam a junção do coração à inteligência, da sabedoria ao comportamento, do saber-ser ao saber-fazer. Consoante cada um destes parâmetros, assim a convergência das virtudes, porque há virtudes em todas as atividades e ações, a nível privado ou público. O filme “vícios privados, virtudes públicas” explora tudo isto. Comprovando: os nascidos antes da década de 80 do século passado têm perfeita consciência de que as dificuldades da vida exigiam sacrifícios em nome de objetivos e ideais que se pretendia alcançar. Se dissermos que os valores eram a alma dos sacrifícios, dos objetivos e dos ideais, estaremos também a exprimir, na linguagem da vida, a melhor definição de virtude, precisamente porque os valores são os fundamentos éticos que formam a consciência.
Manuel Maria Madureira